Outro dia fui comprar uma calça e o número que costumava comprar ficou apertado. Quando volto à cidade onde nasci não identifico mais as pessoas: os mais velhos, jovens do tempo que vivia por lá, exibem cabelos prateados, ar sério, barrigas proeminentes. Os mais jovens, que eram crianças, cresceram e eu os identifico pelo nome dos pais agora na versão prateada proeminente. Recuso que me chamem de tio, mas me surpreendo quando vejo filhos de amigos já com a metade da minha idade. Meu sobrinho já tem namorada e o fantasma de ser tio-avô me ronda. A vida corrida aliada a uma tendência pessoal de isolamento, somado as opções por ter vida diferente acaba por relativizar a passagem do tempo. O ontem parece mais próximo, mas quando tenho este contato com pessoas com quem convivi e que hoje passo tempos sem ver, acabo sentido o choque da realidade de que o tempo esta passando, o tempo passou e é preciso estar atendo as mudanças que ele provoca e tirar um bom proveito dela.
Às vezes pareço com a Carolina da música do Chico, a que “o tempo passou na janela” e só ela não viu. Em relação aos outros continuo imaginando as pessoas do jeito que as deixei, como se o tempo tivesse congelado no último momento em que as vi. Assim a ação da idade, da gravidade, da corrupção parece não atingi-los e quando reencontro-os fico surpreso e, não raro, assustado com as mudanças. Na minha imaginação o tempo não passou e continuam do jeito que os deixei, mas a ação do tempo na humanidade é inevitável. Fico imaginando o que eles devem pensar de mim: que estou mais careca, mais gordo, mais chato, mais exigente, mais esnobe. Somente quando enfrento a opinião alheia de quem não me vê a muito que me entrego à realidade de que a ação do tempo esta agindo incansável e permanente sobre todos nós.
A música do Chico tem mais de 40 anos e eu descobri o quanto estou atrasado para a percepção desta ação do passar dos dias. O normal é o ciclo continuo que leva a maturidade, o incomum seria a eterna adolescência. No entanto, cada vez maior é o número de adolescentes tardios que pararam no tempo cultivando as mesmas manias, comportamentos, manhas e infantilidades mesmo na idade adulta. Esperar amadurecimento dos eternamente adolescentes e querer demais, pois o processo do amadurecer implica em responsabilidades, compromissos, posturas e valores que exigem muito. No outro extremo estão os que envelhecem cedo demais. Apertados pela responsabilidade precoce desenvolvem um excesso de rigidez nas coisas da vida, tornando-se idosos ainda na juventude. A carga de exigência grande cria pessoas indispostas a abrir os horizontes e refratárias ao novo, como se este fosse uma ameaça a sua segurança.
Viver bem cada fase da vida é o maior desafio que enfrentamos. Viver uma infância divertida, uma adolescência de descobertas e revoluções, uma juventude de esperança e norteamento e uma maturidade onde se possa colher os frutos de todo este investimento deve ser o sonho de todos. Mas não há maior desafio. Na medida em que o tempo anda a tendência por se acomodar acompanha em escala maior. A grande maioria se acomoda nas conquistas que teve deixando de lado um potencial, outra parte prefere ficar resmungando atenção como uma criança que quer doce e outros guardam os tostões acumulados de felicidade tornando este seu tesouro maior. Ainda me sinto meio Carolina não vendo o tempo que passa embaixo da minha janela, preocupado com os riscos, acuado pelo medo de tentar, paralisado pela possibilidade de perder acabo, muitas vezes, nem apostando. Pode ser só uma fase de cansaço, uma crise de descrença, um hiato de “me deixem em paz” ou talvez seja, novamente, a ação do tempo agindo sobre mim me deixando mais lúcido para a realidade que é bem distante da Disneylândia.
6 comentários:
relaxa, baby!
eu já sou tia-avó e é uma delííííííícia!!!!!!!!!hehehe...
beijo grande.
Nesse texto me vejo como vc disse ''meio Carolina não vendo o tempo que passa embaixo da minha janela, preocupado com os riscos, acuado pelo medo de tentar, paralisado pela possibilidade de perder acabo, muitas vezes, nem apostando''
''No outro extremo estão os que envelhecem cedo demais''...
Que eu aprenda a andar no ritmo que posso sem deixar de acompanhar o tempo que passa.
um forte abraço do seu leitor assiduo,inquieto e pensante...
Carolina...
Eu bem que mostrei sorrindo, pela janela, ah que lindo
Mas Carolina não viu...
Carolina, nos seus olhos tristes, guarda tanto amor, o amor que já não existe,
Eu bem que avisei, vai acabar, de tudo lhe dei para aceitar
Mil versos cantei pra lhe agradar, agora não sei como explicar
Lá fora, amor, uma rosa morreu, uma festa acabou, nosso barco partiu
Eu bem que mostrei a ela, o tempo passou na janela e só Carolina não viu.
Acredito que tuas palvras expressam o que nós, os 40's , estamos vivendo. Tenho acompanhado e me surpreendo com certa igualdade de pensamento.
"...
E o tempo se rói
Com inveja de mim
Me vigia querendo aprender
Como eu morro de amor
Prá tentar reviver
No fundo é uma eterna criança
Que não soube amadurecer
Eu posso, ele não vai poder
Me esquecer".
RESPOSTA AO TEMPO, Aldir Blanc.
"Porque cargas d'água os cabelos que cresciam na cabeça agora crescem na orelha???"
Bjão querido!
Liandro,
Muito agradável poder ler as suas coisas! Somos da mesma geração, é tão pertinente, que bom que vc escreve sobre nossas angustias, suas palavras me aliviam!
Abração!
Alberi Petersen
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