segunda-feira, março 26, 2007

Coisas estranhas acontecem na Quaresma


“Engolia o corpo de Deus a cada mês, não como quem engole ervilhas ou roscas ou sabres, engolia o corpo de Deus como quem sabe que engole o Mais, o Todo, o Incomensurável, por não acreditar na finitude que me perdia no absoluto infinito.

Hilda Hilst




Remexendo nas gavetas localizei uma foto antiga de um amigo querido e atrás dela este texto da poetiza de Jaú. Nas demais gavetas, fui encontrando lembranças em formas de bilhetes, cartões, recortes, retalhos, pedaços. Tempo propício para isto. Quem me conhece sabe da minha formação cristã e do meu lado místico espiritual que, se não é uma fonte de desenvolvimento como deveria ser, é uma busca constante de plenitude. Entrei neste caminho pela porta da curiosidade, segui o roteiro como necessidade e desagüei no conhecimento, que se forja e se renova a cada instante. Desde muito tenho observado que o tempo da quaresma - os 40 dias que vão da quarta-feira de cinzas até o domingo de Ramos, tem se revelado como uma oportunidade rica de desenvolvimento da reflexão, de ampliação da sensibilidade, de prática do silêncio meditativo, das leituras, orações e observações da realidade.


O número é místico: foram 40 anos que o povo hebreu caminhou no deserto, 40 dias e noites de dilúvio, 40 dias que Jesus esteve no deserto. É presente em toda a tradição judaica e cristã, na maçonaria e em outras tradições e culturas. Neste tempo em geral eu saio menos, bebo menos, penso e observo muito mais. Foi assim que nestas semanas passei a prestar atenção em coisas que não me dava conta. Coisas pequenas como as árvores do lado do meu prédio, a fisionomia dos colegas de trabalho, a forma de falar e escrever dos amigos. Nesta época minha intuição fica mais aguçada e sou capaz de perceber sem palavras as situações e até poder prevê-las. Neste ano tive que exercitar muito a paciência, trabalhar com limitação de recursos, suportar, tolerar, silenciar quando minha vontade era gritar ou quebrar.

Pequei-me querendo mais tempo para mim. Ficar em casa sem fazer nada virou um desejo grande que exigiu disciplina para não se tornar uma vaidade. Acordava e ficava olhando o sol da janela, observava a lua crescendo e minguando, quase podia ouvir as estrelas e sentia no vento a chegada de uma mensagem de longe, de um beijo distante. Foi um tempo de aprendizado e de renuncia, de economia e de esforço, mas não chegou a sacrifícios.

Junto com isto não são raras as situações inusitadas que acontecem. Um dia indo pro trabalho, sentou-se ao meu lado no ônibus uma senhora elegante, com um livro na mão que imediatamente abriu e começou a ler. No meio do caminho virou-se para mim e começou a falar das coisas lindas que estava lendo. Ouvi coisas no cinema como se fossem ditas para mim, em páginas de antigas historias vi minha vida, em letras musicadas eu recebi recados bem mais nítidos que nos sonhos.

Em uma semana a quaresma acaba, e neste ano o exercício me ajudou a me conhecer melhor e estar preparado pro tempo de alegrias que a páscoa traz. Quando a lua cheia estiver brilhante no céu da semana santa estarei renovando minha fé e esperança e desenvolvido um pouco mais da difícil arte que e o auto conhecimento.

4 comentários:

Anônimo disse...

Desculpe se sou repetitiva, mas...que belas palavras!Cheguei em casa essa noite me sentindo um pouco estranha, desenergizada, eu diria...mas te ler me fez muito bem(sempre)!Obrigada!Grande beijo.

Anônimo disse...

Amei e faço minhas as palavras de Claudiaa.
Se passa o mesmo com a minha pessoa e voce refrescou a minha santa cabeça.
Bjs

MaxReinert disse...

hummmmm...... que medo da quaresma!
bjzzzzzzzzzzzzzz

Henrique Fogli disse...

Bonito texto!
Bom seria ter essa percepção e sensibilidade aguçada o tempo todo..