O mundo da ópera já foi algo muito próximo da população em geral. Na Itália as árias eram cantadas nas ruas e lugares de grande freqüência. Em Porto Alegre, no século XIX, os imigrantes italianos se locomoviam inclusive de carreta, até as margens do Rio Guaíba e de lá cruzavam de barca pára no “Theatro” São Pedro assistir as montagens de clássicos de Verdi, Rossini, Bellini e outros dos seus compatriotas. Depois este tipo de espetáculo foi cada vez mais se restringindo a lugares caros e inacessíveis e, a maioria, se fechando em círculos pequenos de entendidos que disputavam entre si a opinião sobre a qualidade dos naipes ou o melhor agudo. Somente com a nova fase de popularização, com os shows em ginásios de esportes, estádios e parques e com o incremento na produção de CDs e DVDs que o “bel canto” ganhou mais fãs e passou a ser uma fonte de renda maior.
Neste cenário que a figura de Luciano Pavarotti se consolidou como maior representante do clássico em meio popular e o fez um conhecido em cinco continentes e um recordista em vendas de discos. Eu já o ouvia em gravações de especiais nas rádios e canais a cabo ou em CDs importados, mas tive a chance de assistir a uma destas apresentações grandiosas, em 1998, em Porto Alegre onde o tenor se apresentou junto com Roberto Carlos numa noite memorável. O estádio da Beira Rio lotado aguardava o grande encontro. A noite iniciou com o “Rei” cantando seus velhos sucessos esbanjando simpatia e romantismo e tendo um coro de milhares de vozes doa fãs acompanhando os clássicos. Num segundo momento Pavarotti, uma criatura de porte imponente com um sorriso largo, vestindo fraque e tendo na mão esquerda um grande lenço braço surge no palco e tem sua imagem ampliada nos telões. O povo explode em aplausos e ele os brinda com belas árias, canções napolitanas, espanholas e francesas e outras mais conhecidas do público. Podia ter ficado tudo por ali, mas num excesso os dois artistas se arriscam a entoar conjuntamente o “Sole Mio”, num desempenho constrangedor. Lembrei desta ocasião quando o rádio anunciou cedinho a morte do tenor italiano fazendo minha memória voltar quase dez anos.
Seis dias depois, também através do rádio, fico sabendo da absolvição pelo plenário do Senado da acusação de quebra de decoro contra o Senador Renan Calheiros. O mundo político já há muito tem dado demonstrações de falta de sintonia com as ruas e agido levando em conta os interesses de ocasião. O mesmo Senado que afastou um presidente em outra ocasião, que repercutiu em diversas ocasiões os anseios da população, que legitimou conquistas dos Estados e honrou os eleitores teve esta péssima atitude manchando sua imagem de forma vergonhosa. Uma ópera bufa.
Os dois fatos aparentemente podem não ter nenhum ponto em comum, embora tenham gerado lamentos de tons diferentes, mas andei de forma obstinada e obsessiva, pensando sobre estes acontecimentos. A sucessão de emoções a que estamos sendo submetidos nestes últimos tempos se representam de forma muito veemente nestas duas situações. A morte e a volta por cima são dois momentos cruciais na historia das pessoas, que faz com que todos os que estão ao seu redor parem um instante para refletir e se pensar numa situação parecida. Se por um lado as pessoas sensíveis pela arte suspiraram com tristeza pela morte do grande artista, por outro aspecto, muitos gritaram de raiva quando souberam do resultado do julgamento no Senado.
Ambos os principais personagens desta trama tiveram dramas familiares já maduros, um terminando um casamento longo e se unindo a uma funcionária muito mais jovem. O outro se envolveu num relacionamento extraconjugal, igualmente com uma mulher mais jovem, e deste se gerou um filho que se tornou o estopim da crise. Enredos típicos de óperas. Ambos foram aplaudidos e vaiados, formaram amigos e acumularam desafetos. Os dois criaram patrimônio graúdo um pela capacidade da voz outro pelo das palavras. Um criava cavalos de raça o outro se dedicava ao comércio de bois, os dois vieram do interior e fizeram sucesso em grandes centros. Não consigo imaginar Renan ouvindo Pavarotti e muito menos que o tenor saiba do moço que saiu das Alagoas e ganhou a cadeira de terceiro homem da República.
Já há tempo que cuido para não idolatrar seres humanos, mas tento compreende-los com suas limitações sujeitos as vaidades, aos erros e as tentações de todos os tipos. Mas entre o constrangimento de ver dois ídolos patinando nas notas num dueto risível e ver senadores cambaleando em conceitos sobre ética e se sujeitando a participar de negociatas estranhas, prefiro muito mais a arte da música de profissionais do que a arte do teatro circense de amadores de terno e gravata.
2 comentários:
Estou de luto fechado. Vesti preto, coloquei um pano preto na janela. Evidente por duas razões distintas, a terra esta de luto e o céu em festa. O brilho dos olhos de Pavorotti concorriam com a sua voz. Ele popularizou a opera, que tristeza.....meu querido amigo.
A outra é o luto nacional pela decisçao do Senado. É para chorar e muito. Nosso pais necesita de uma sacudida. Na minha epoca de estudante estava euzinha na rua de faixa gritando palavras de ordem, ?Teve uma epoca que a OAB fez passeata pela democracia. E o que estamos assistindo, ninguem se meche. Fica o meu protesto e o meu luto fechado pelos dois episodios. Que Pavarotti nos ajude a salvar o Brasil de onde estiver.Que os estudantes vão para a rua, as mulheres catolicas, todos os grupos implorar mas etica, e tudo qto.
FORA RENAM
NAMASTÊ
água e vinho!
sagrado e profano!
céu e inferno!!!
... espero!!!!!
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