Nunca freqüentei grupos de auto-ajuda, mas, na TV e no cinema, é famosa a cena em que um novo membro, ao se juntar ao grupo, se apresenta e se declara, ou seja, diz em alto e bom som para todos os presentes: “eu sou um alcoólatra”, “eu sou um viciado”, “eu sou uma pessoa que ama demais”, “eu sou um neurótico”. Naquele momento, a pessoa admite para si e para o grupo aquilo que a incomoda e que precisa ser trabalhado para torná-la melhor. É um primeiro passo para uma mudança aceitarmos uma situação que nos deixa mal. Em geral, tendemos a escondê-la, fingindo que tudo está bem – e, muitas vezes, temos medo de mexer no que aparentemente está estável, mesmo sabendo que não está. A aceitação pode ser direcionada a nós mesmos, quando admitimos nossa condição em busca de uma alternativa, mas também pode envolver uma outra pessoa que idealizamos e que a realidade nos mostra diferente daquela que havíamos projetado. No entanto, acredito eu, o ponto mais difícil e mais trabalhoso da aceitação é quando lançamos nosso olhar sobre algum tipo de relacionamento e descobrimos verdades que estávamos escondendo, mas que se tornaram evidentes demais para não ser notadas.
Aceitar não significa concordar com o que está acontecendo, mas admitir que as coisas são como são. Não há heróis debaixo do nosso teto, nem super-homens no ambiente de trabalho. Nossos amigos não são anjos, e nossos familiares não são santos. Aceitar é encarar a realidade de que estamos todos sujeitos à falha, ao erro, ao equívoco – e que, portanto, somos, uns para os outros, vulneráveis à traição, à mentira, ao dano. Isso dói – mas se torna um primeiro passo rumo a alguma mudança a que inevitavelmente o aceitar conduz. Acredito que, depois de parar de desviar o olhar e depois de as lágrimas da realidade lavarem nossos olhos, o que fica é uma sensação de verdade muito grande. No entanto, se, por um lado, a verdade liberta, por outro, fica a sensação de estar perdido no meio de tanta realidade.
A ilusão, por mais que nuble o olhar, também aquieta, mesmo que de forma artificial. Abanar a fumaça e trazer à tona a crueza do real exige demais – e é um processo que fere. Tem gente que prefere viver acreditando que estamos em alguma cidade fantástica das minisséries ou das histórias em quadrinhos, onde é tudo maravilhoso, o bem sempre vence e as pessoas que convivem conosco são legais e nunca vão errar ou nos decepcionar. Coitadas. Deveriam ter os ombros arqueados pelo peso da responsabilidade que nossas expectativas colocam sobre eles. Nem nós somos tão invencíveis a ponto de não pegar o caminho errado, nem os outros são feitos de aço para vencer toda coisa que possa nos desagradar. Somos apenas humanos, frágeis, sujeitos a falhas e imperfeições – e, portanto, potenciais produtores de mentiras, sofrimentos e decepções.
Talvez se todos nós nos aceitássemos assim, baixaríamos a carga de exigência e de posse de uns sobre os outros. Com as expectativas caindo, sobra tempo para um conhecimento mútuo e um crescimento conjunto, admitindo a condição de sujeitos às falhas. Isso destrói o mito do modelo, em qualquer tipo de relacionamento, e torna os envolvidos pessoas de mesmo nível: um se sabendo humano o suficiente para admitir sua capacidade de errar; o outro sendo visto como sujeito a erros por sua própria natureza – e ambos carentes de atenção, compreensão e carinho para o amadurecimento.
5 comentários:
Lindo texto LL, penso sim que o grande "barato" da vida e aceitar e encarar o novo como desafio fundamental à nossa existência; e a partir disto ter clareza que outras manifestações da vida são possiveis, compreensiveis e estão presentes em cada instante que não objetivamos àquilo que queremos, nos momentos que não somos aclamados em nossas decisões, ou quando simplesmente nos deparamos com o diferente.
é um processo de amadurecimento, que nos desafia a criarmos alguma possibilidade de encaramos nossos medos, e quem sabe vencê-los...
Beijos.
Eduardo Lima
Belo texto, Liandro! Gostei muito de tudo, mas ressalto aqui o conceito de "aceitação" que deste. É interessante, pois a maioria das pessoas o vê como concordância passiva e inerte; eu discordo também disso, em absoluto.
Com relação à divulgação destes grupos de apoio na mídia, concordo que funcione mesmo para este fim.Só não gosto da forma didática com que são abordados nas novelas, por exemplo - fica muito artificial.
Abração!!! =)
Caro Liandro,
Há algum tempo não passo por aqui. Mas que bom retornar lendo um texto com esse conteúdo.
Aceitar é antes de tudo tomar posse da realidade para assim sair da inercia e ir em busca da mudança.
Vivo assim. Aceitando muitas coisa,me resignando, porém não me entregando ao conformismo de achar que tudo é normal e ponto.
Sou daqueles que ao invés da auto-ajuda,prefiro a ajuda do Alto.
Abraços do seu leitor assíduo.
CARLOS CÉSAR
Seria muito bom se as coisas fossem assim...mas as pessoas são movidas por emoções, ódios vários, vinganças , rancores, todos posando de bonzinhos, amigos até a primeira critica. Com ela vem a mágoa, a decepção. E o amor também pode ser uma coisa muito destrutiva. Obrigado pela reflexão!
Ricardo
aguieiras2002@yahoo.com.br
Vc escreve muito bem, Liandro! Parabens! E esse texto veio em um excelente momento para mim, na próxima semana começo a fazer terapia, preciso aceitar todas essas coisas mas como vc disse, aceitar nao é concordar com elas, eu admito q as coisas estao assim e vou procurar mudar. Forte abraco pra vc e Feliz Páscoa! Parabéns pelo blog!
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