terça-feira, abril 22, 2008

Gatos literários



Convivi com gatos durante este feriado prolongado. Não estou falando dos bichanos peludos que sabem ronronar, soltam pelos, arranham sofás e adoram ficar expondo sua preguiça no chão da sala, mas de gatos literários que foram minha companhia durante estes dias. Devorei três livros e, por coincidência a referência aos gatos estava presente em cada um dele de maneira diferente. Primeiro li com afinco a obra recente do argentino Thomas Ely Martinez, “A mão do Amo”, que conta o drama de um homem com problemas de relacionamento com a mãe e que, após o falecimento desta, herda sete gatos para cuidar, canal por onde a mãe continua falando com ele e o massacrando. Em seguida engatei “Vida de Gato”, da gaúcha/paulista, Clarah Averbuck. Em nove capítulos ela desenha o drama do fim de um relacionamento, do caos que a vida se transforma, da rejeição e da necessidade de continuar usando o fôlego (e a vida) como os gatos para sobreviver. Por fim nesta jornada mergulhei com “Berkeley em Bellagio”, do conterrâneo João Gilberto Noll. Usando de uma linguagem profunda, com páginas sem parágrafos, no estilo Saramago, narra os dramas e aventuras de um professor fora do seu país, que coleciona casos outro tipo de gatos, mais musculosos e humanos entre uma aula e outra, até retornar a sua cidade.

Cada livro destes merece uma resenha e um espaço maior para comentá-los e refletir sobre o texto, a mensagem, as viagens e as loucuras que eles incitam. É possível conseguir até identificar estas demências no cotidiano menos literário e mais mecânico a que estamos submetidos. Ando cada vez mais mergulhado nos meus livros, meus discos, meus filmes. Neles eu me encontro comigo mesmo e consigo ascender a um eu mais pleno. Neles me permito criar asas e ir além do mero plano terreno, visitar outras galáxias e outros povos. Não estou lendo livros com papel de canabis e fumando suas páginas ao fim de cada leitura. O efeito provocado é mais duradouro e tem efeito diferente: faz-me refletir sobre a realidade a que estou inserido e ver um pouco além dela, entendendo pormenores que passam escondidos e detalhes que se perdem no crescente dia a dia de estímulos contrabandeados e falsas ilusões vendidas à porta.

Durante a semana visto a capa de funcionário exemplar e sorridente, armadura para enfrentar o cotidiano e manter a estabilidade diante de minha loucura controlada. Sinto inveja dos que usam calças quadriculadas, dos que não se preocupam com a barba crescendo e nem sabem a hora que tem que acordar, a hora da primeira refeição, o momento certo de atravessar a rua, de calar, de falar mais baixo. As regras sociais inibem a barbárie, mas também nos prendem numa redoma do comportamento socialmente esperado e aceito. De que adianta caixas de cristal e grades de gaiola de ouro, se o desejo é voar? A literatura é uma porta aberta para se viver melhor e para deixar que o novo ar das possibilidades venha arejar a vida concreta. Tenho escalado estas montanhas e encarado de frente todo o vento que surge batendo no meu rosto, no meu corpo, na minha alma, agindo como um grande ventilador que leva para longe as partículas que não servem mais e me torna mais leve e renovado.

Os gatos literários do feriado prolongado são exemplos do quanto compartilhei desta realidade que sai das letras e adentra no intelecto e na alma, por meio da sensibilidade: primeiro desbloqueando-a, depois dando a ela alimento para sustentá-la e finalmente gerando mais sensibilidade pára ver além das formas tradicionais do viver e do agir. É um processo individual que depende de uma série de elementos e vivências, mas seu resultado é bonito e se pode perceber seu efeito na medida em que as páginas lidas avançam. Eu mesmo cheguei a ouvir algum miar no decorrer das leituras.

Infelizmente este mundo, tão cheio de possibilidades, é ainda restrito a poucos que têm acesso à literatura e, mais do que isto, aos que se dirigem sua atenção por este caminho difícil, mas fascinante. O mundo das facilidades pode trazer caminhos mais curtos e menos difíceis de serem trilhados, exigindo um esforço menor, no entanto o que se perde neste trilhar não compensa a opção do atalho. A arte de juntar palavras para formar uma frase e delas se gerarem páginas que se engendram é uma das mais belas expressões de sensibilidade. Porém o que mais me impressiona é a sensação que as leituras deixam depois que de fecharmos o livro. As comparações com a nossa realidade, as idéias de caminhos a serem trilhados, as reflexões sobre os sentimentos comuns entre os humanos, mas manifestados de formas tão singulares. Aí que a obra cumpre seu papel de ser mobilizadora de pensamentos e quando isto acontece que o autor torna plena sua empreitada e, às vezes sem saber, toca no ponto exato da sensibilidade do leitor, tornando-o parte da narrativa que nele se estende como realidade.

8 comentários:

Mariana disse...

eu tenho horror de gatos....


leia http://temferias.blogspot.com/2008/03/sobre-agulhas-gatos-e-motos.html

beijos

Heitor disse...

Eu odeio gatos. -.-
AEHHAEHHAEH...

Trauma de infância, infelizmente. xD

http://emcolapso.blogspot.com

// é o Яeinnan New Fase // disse...

Oi,

Gostei mto de seu post, pq eu gosto d+ de gatos, ainda mais literários, passar seu finde com gatos de mentirinha e ao mesmo tempo de verdadinha, deve ter sido mto massa. Pergunta: Como vc conseguiu ler 3 livros em 3 dias?
Abraços...

_________________________________________

http://reinannewfase.blogspot.com

Anônimo disse...

Gostei muito de verdade do seu texto, sou fã de gatos, e acho que muitos escritores usam essa ideia de gatos e solidao, que se for pensado parece algo muito igual, pelo jeito de cada um. Tambem estou numa fase de leituras e de coisas so minhas, acho que todo mundo passa por essa fase e geralmente sao as decisivas para voce se conhecer melhor

Anônimo disse...

Bichos polêmicos sem o querer, porque sábios, mas inquietantes, talvez por isso. Nada é mais incômodo que o silencioso bastar-se dos gatos. O só pedir a quem amam. O só amar a quem os merece. O homem quer o bicho espojado, submisso, cheio de súplica, temor, reverência, obediência. O gato não satisfaz as necessidades doentias de amor. Só as saudáveis.
Arthur da Távola

Eu AMO os gatos!!! E aprendi/aprendo MUITO com eles, assim como com meus LIVROS, FILMES e MÚSICAS!
Essenciais na minha vida...
Beijos felpudos!

Rodrigo Schüler de Souza disse...

No início deste ano perdi minha gatinha que se chamava "Bebel". Era toda preta. A encontrei pequena em frente a porta de minha casa, e quando li seu texto me reportei a ela, no pensamento. Simplesmente ela sumiu e eu não sei como, dizem que poderia ter sido até um jacaré que a devorou, mas... a sugestão de livros é que me fascinou e a intenção e a comparação. O gato me remete ao feriado, que me induz a melancolia e a solidão, mas que também tudo passa com um longo espreguiçar-se no sofá e continuar a vida como se nada tivesse acontecido; assim como os gatos, disfarçados de elegância.
E Gostei do ode à leitura...

XuninX disse...

Muito legal sua referência a gatos literários. Ultimamente tenho lido um livro chamado "Amor em Minúscula" do autor espanhol "Francesc Miralles". O Autor relata seu inesperado encontro com um gato que mudou a sua vida. Detalhe para esse livro, que a mim tambem me aconteceu de encontros com gatos terem mudado minha vida. Atualmente tenho 2 gatos (Sade e Mishima), na qual a Mishi apareceu na porta da minha casa de uma forma muito parecida com o gato do livro de Miralles. E por coincidência foi logo após eu ter acabado de ler o livro. Atribuí ao gato esse sentimento de Amor que eu estava precisando no momento, e tudo que ele precisava era de carinho e um lar. Me sinto muito feliz com isso.

Carla M&S disse...

NOSSA QUE FACILIDADE DE POR PALAVRAS EM LETRAS QUE VC TEM AMEI SEU TEXTO PERFEITO ... VC SE FAS ENTENDER MUITO BEM... PARABENS