terça-feira, outubro 14, 2008

Cotidiano


O som vibrante das cigarras no final de tarde anuncia que mais dia terminou no planalto central. Um dia quente. Muito quente. A ilusão das poucas chuvas, que fez acender a alegria dos que sofrem com o calor foi queimada pelos dias tórridos e secos que se sucederam. Mal o dia começa e o sol já arde e na medida em que ele avança coisas básicas como caminhar na rua se torna uma tarefa hercúlea. Somente com o fim do dia e com o cantar das cigarras que a vida fora de casa, da sombra e do ar condicionado se torna mais agradável. Hoje em especial uma lua cheia enorme decora o céu de Brasília enchendo de luz lunar a noite do serrado e apresentando um belo espetáculo, após um dia suado e sufocante.

Ando em constante conflito neste tempo que vivo por aqui. De um lado a vontade de estar num lugar mais úmido, menos quente, mais humano e menos caro. De outros o desafio das descobertas do que a cidade esconde e revela aos atentos que por ela passam, e isto exige olhos dispostos e não cansados da secura cotidiana. Meus olhos não estão tão abertos para isto e, por vezes, passo sem perceber as belezas que se escondem debaixo do dia a dia, por outras me encontro surpreso com o tamanho da lua cheia de outubro, sendo que todo o mês ela se apresenta grande e chamativa. Tento equilibrar esta equação, mas sinto que minha tendência é, cada vez mais, pelo isolamento e por este caminho jamais chegarei a conhecer o que esta para ser descoberto. Daí o conflito se instala.

Recentemente uma campanha publicitária apresentava pessoas com estranhos hábitos com andar em círculos por exemplo. Cada vez que chegava perto de embarcar no ônibus, na hora de subir escadas ou de atravessar uma porta acabava voltando e rodando sem conseguir avançar. Quantas vezes na vida ficamos assim, paramos diante de um problema, uma situação que nos desagrada, uma incomodação, um relacionamento que não anda mais e ao invés de tomarmos uma atitude ficamos vagando em círculos. Brigamos, esperneamos, quebramos coisas, mas na hora de virar o jogo voltamos à situação original, ao mesmo círculo esperando que tudo se conserte por obra dos céus, do tempo ou da magia. Esta falsa esperança dura até a próxima lição de realidade e, então, andamos perto de virar a mesa, mas retornamos para o lugar circular, sem dele sair e sem resolver o que nos incomoda, embora sempre reclamando.

O que nos prende a uma situação que nos causa sofrimento? A ilusão que os momentos de prazer são eternos? A esperança de que as situações vão um dia mudar? As compensações que recebemos que, na soma, surge maior do que as dores? Vejo muita gente que acredita que a solução para os seus problemas esta em ter alguém ao lado para ajudar a enfrentar as dificuldades da vida. Acabam se dando mal primeiro porque agir desta forma é colocar um peso excessivo nas costas dos outros, depois porque somente como auto-avaliação constante e auto-estima bem nutrida é que teremos força para não nos submetermos a meias vitórias.

Andar é círculos é não encarar a realidade que é preciso mudar, é negar a nosso potencial de modificar o cotidiano e, principalmente, temer correr os riscos que uma mudança exige. Entre um duvidoso que pode ser bom e uma realidade que nos sangra, mas também nos consola a tendência é sempre ficar com a última. No entanto, acima da grama queimada pelo sol tórrido jaz uma lua cheia enorme, sinal de vida, de mudanças, de novos tempos a surgir, bastando para isto romper o círculo do comodismo que o calor intenso imprime nos nossos corpos e mentes. Ainda há esperança de chuva.

Um comentário:

OM NAMAH SHIVAYA disse...

Belo texto, o desafio está em optarmos por uma mudança brusca que dói uma só vez, ou como se diz "empurrar com a barriga" , o que só aumenta nossas gastrites, insônias, e retardamm a tão almejada felicidade.