segunda-feira, setembro 29, 2008

Seca, chuva e árvores retorcidas



Mais uma vez as bênçãos em forma de pingos de chuva voltaram a cair sobre o Planalto Central enchendo Brasília de um ar menos seco, menos inóspito e menos irritante. Mais uma vez passo por este processo de longos períodos sem chuva, e eu sempre espero que seja o último. A seca é sentida em todos os atos e comportamentos que faço, diminuindo a capacidade física e a resistência e exigindo de mim uma quantidade de paciência acima da qual estou acostumado a baixar diariamente no meu cérebro, como um downloand de superação. Abro a janela, como fiz no ano passado, e respiro fundo o ar da chuva sentindo pingos no meu rosto e logo já estou mais animado. Sei que em breve a vida volta a ter a cor original e a possibilidade de dormir de forma mais tranqüila aumenta, assim como a vontade de sair de casa durante o dia sem ter que encarar o clima de micro-ondas enquanto caminho pelas ruas. Finalmente a chuva da primavera voltou.


O mais impressionante é que depois de quase quatro meses sem chuva bastaram apenas três dias para que a natureza reagisse: os gramados voltam a ficar verdes, os jardins floridos e o colorido já esta voltando às quadras e canteiros em substituição ao cinza e cor de queimado que antes reinava. Em busca de alguma umidade as árvores do cerrado se contorcem e formam interessantes estéticas com este bailado. Para sobreviver se adaptam esperando a chuva que um dia chegará. Aprendendo com elas também nos retorcemos em criatividade e exercícios mentais para sobreviver às agruras que aparecem na vida, algumas sazonais como os ciclos da natureza outras surpreendentes como as atitudes humanas. Depois de certo tempo parece que já desenvolvemos estratégias para encarar estas intempéries: se o tempo é de seca vamos beber mais água, comprar umidificadores, evitar o excesso ao sol, tentar viajar mais, aplicar em programas após o pôr do sol. No entanto, na seca e na vida, estes subterfúgios só servem para amenizar o desconforto, não resolvem totalmente, apenas atenuam.


Sobreviver é uma atitude que exige muito de cada um e que, em algumas ocasiões da vida, se torna necessária. Como um pequeno hiato entre uma mudança ou na espera que algo aconteça ou ainda quando enfrentamos um revés. Enquanto o consolo da chuva não chega nos retorcemos em busca de alguma umidade que torne o dia a dia menos inóspito. A experiência dos anos traz junto fórmulas para enfrentar estas situações e sempre que elas surgem recorremos ao manual de sobrevivência escrito por nós mesmos e aplicamos as mesmas diretrizes que lá depositamos entre lágrimas de contrariedades, sangue da reclamação e muito suor da ansiedade. A capacidade de adaptação é uma das coisas que mais me chama a atenção e mais me faz admirar o ser humano. Diante de um obstáculo que provamos todo o nosso heroísmo e nossa capacidade de superação, pois a tendência de ficar lamuriando na época de seca será sempre maior de buscar alternativas úmidas para enfrentar este período. Na medida em que os anos passam acredito que estas tendências de acomodação e a submissão diante das dificuldades só tentem a aumentar, embora se note cada vez mais na juventude o crescimento de comportamentos apáticos e extremamente “aceitativos” da realidade imposta.


Enfim foi mais um tempo seco que chegou ao fim. Mai suma sobrevivência vencida e mais páginas do manual (re) escritas. Nunca pensei que ia gostar tanto da chuva e que ela fosse possibilitar tantas reflexões sobre minha condição (e a condição humana) de encarar as contrariedades. Quando passar este tempo de dicotomia tão explícita, virão outras contrariedades a serem enfrentadas, acrescentando mais páginas ao meu manual. Vou ainda encarar a limitação e o provincianismo das cidades pequenas ou a poluição e o anonimato das grandes. Mas o importante é acreditar que sempre haverá uma primavera chuvosa ou florida a regar minhas lamúrias e fazer florir minhas esperanças evitando, eu espero, que elas fiquem secas como a terra vermelha ou a grama queimada com que convivi nos últimos meses.

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