Nunca tinha vindo a Buenos Aires no verão. Preferia os encantos do frio e todos os confortos e elegâncias que ele proporciona. Mas desta vez o clima mais quente pode me proporcionar uma visão diferenciada da cidade e de sua gente. Há um charme brega em cada canto desta metrópole, algo que cheira a roupa guardada, que lembra brilhantina, excesso de maquiagem, roupas de rendas pretas ou vermelhas, chapéus, jóias de vidro e principalmente tangos rasgados e chorados. Tudo muito kitsch, não que isto seja ruim ou que tire a beleza por onde se passa, mas ao contrário, possibilita uma imagem que os anos não apagam e que e memória deixa cada vez mais clara e presente. Mesmo com o calor que assola os que se atrevem a fugir do ar condicionado, o charme cafona se faz presente impressionando pela performance e exuberância.
Erroneamente se associa a imagem do tango como coisa do passado ou de gente que vive da nostalgia dos belos dias. Pude ver que o espírito tangueiro hoje se instala nos mais variados segmentos sociais como uma forma de resistência, mas também como algo que se inventa e se renova. Pelas ruas de San Telmo, numa feira de domingo, pude encontrar diversos artistas jovens que de bermuda, camiseta e sandálias havaianas que brindavam os passantes com belos acordes de piano, acordeom e violinos. Rapazes com menos de trinta que interpretavam as notas sensíveis do tango com grande emoção mesmo que lhes falta experiência para viver o que as letras contavam. Mais curioso ainda é o crescimento de clubes onde o tango é dançado somente entre homens, recuperando a origem portuária da música que servia de distração e invenção para os estivadores enquanto aguardavam os serviços das prostitutas.
Trata-se de ume cidade emocional em todos os sentidos, onde motoristas de táxi falam de Almagro, o bairro de Gardel, com a voz embargada e que proporciona aos que passam por seus caminhos espetáculos de arquiteturas ricas e de preservação como o caso da Livraria Atheneu, um antigo teatro restaurado e que agora funciona como um templo das letras. No cemitério da Recoleta diversos grupos observam com atenção as representações da morte através das pinturas e esculturas ali instaladas, um acúmulo de pessoas entre as alamedas indica onde esta a tumba de Eva Perón, mais um ícone da história argentina tornada pop. Nas imediações da Florida e da Corrientes, no centro, as lojas despejam ao público nervoso, que passa agitado letras melodiosas do melhor tango mesmo que os que caminham com pressa não se perceba as pérolas de sensibilidade e ternura que estão sendo proporcionadas. Observando a arquitetura trabalhada dos prédios e ouvindo a voz grave dos tangueiros em CD, pode-se voltar ao tempo e se sentir na primeira metade de século vinte quando a Buenos Aires rivalizava com a Europa em matéria de glamour e suntuosidade.
Mas andando entre os bares num dia quente, pude perceber a imagem da felicidade pessoal sentada tranquilamente entre portenhos e turistas. Não a felicidade fácil e solúvel da novela das oito, mas principalmente a auto felicidade que primeiro é satisfeita consigo independente da opinião alheia e que busca dentro de si a base para se feliz. Uma mulher jovem, um pouco acima do peso, bebia com calma um chope gelado após uma caminhada e algumas compras. Sozinha desfrutava da alegria de estar ali, sem a necessidade de mais nada a não ser curtir o momento, sentindo-se completa e feliz. Não ligava para o que falariam dela: consumista, exibida, gorda, bêbada. Para ela o momento feliz estava acontecendo mesmo que depois tivesse que encarar a realidade cotidiana que tira a poesia das coisas, mas o importante era o que estava sendo vivido.
Andando por Buenos Aires entre gente bonita e lojas de grife, entre prédios modernos de conglomerados financeiros e carros do ano me encantei com esta imagem de auto satisfação em uma mesa de bar próximo a feira de San Telmo. A fruição dos momentos de felicidade que a vida oferece, e que são frutos também do nosso esforço, são ainda tão pouco curtidos por nós. Buscamos coisas grandes, cinematográficas, arrebatadoras, horizontes ampliados e cenas de super produção, enquanto isto pequenos momentos passam quase despercebidos, sorrisos na hora certa, mãos que abraçam, carinhos inesperados, telefonemas carinhosos, manifestações diversas, enfim todo este conjunto de coisas pequenas que nos fazem felizes e que na ansiedade por grandes eventos acabamos não percebendo ou valorizando.
Além do tango sensível e dos vinhos inspiradores encontrei na capital da Argentina o alerta para valorizar os momentos felizes como o que realmente existe em termos de felicidade. Evitar que a pressa e a angústia, pelo mais que sempre se quer, me impeçam de sentir sua beleza que constrói e acalenta. O momento esperado pode nunca chegar ou se dividir em pequenos momentos e se corre o risco de não se ter a sensibilidade para senti-los, daí ficamos sem um que nunca chega e sem o outro que já passou sem que o saboreássemos. A cada dia o seu prazer vivido com intensidade auxilia a levar a angústia para longe. Uma lição
Um comentário:
Buenos Aires é sempre encantadora... Quero ir sozinho lá neste ano, com certeza no inverno é uma ótima pedida, como vc mesmo lembrou.
Abraços e um FELIZ 2009! =)
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