terça-feira, julho 14, 2009

A primeira camisinha a gente não esquece


Lembro muito bem do dia que a Aids deu um grito mais perto. Era 1995 e eu estava numa rodoviária do interior do Rio Grande do Sul ouvindo “Eu não matei Joana Darc” do Camisa de Vênus quando encontrei um amigo meu que também estava indo para Porto Alegre. Conversa vai, conversa vem e ele me conta que tinha adotado uma criança. Fiquei espantado que ele, companheiro de festa e de copo tivesse tido uma atitude daquele nível e disse que naquele dia ele havia crescido vários pontos na minha escala.

Foi então que ele disse que ia crescer muito mais então porque o filho dele havia nascido com Aids. Meu espanto se transformou em susto, afinal só sabia que Aids acontecia com pessoas adultas que fazem sexo, usam drogas, curtem a vida adoidada. Jamais imaginei que uma criança pudesse nascer assim. Daí ele me explicou que com o tempo a criança poderia negativar o vírus, que nasceu assim por causa da mãe e que ele havia conhecido num abrigo de crianças e que se apaixonara logo de cara.

Terminada a viagem e chegando a Porto Alegre nos despedimos e ficou o convite dele para visitar a criança. No outro dia já liguei e marcamos para o dia seguinte uma visita. No caminho ate a casa dele mais uma vez o Camisa de Vênus tocava no rádio desta vez a dançante “Beth Morreu”. Chegando lá fui ver a criança. Um negrinho lindo pequeno envolvido em cobertores. Tinha menos de três anos e já inundava de esperança, com sua presença, a vida dos que o cercavam. Fiquei impressionado com a coragem do meu amigo e de sua família com aquele ato e voltei para casa me sentindo um nada por não estar, como ele, envolvido em alguma causa maior que fizesse o bem para alguém.

Passei a visitá-los seguidamente e me tornei padrinho da criança. Vi seu crescimento, sua entrada na escola, seus problemas de saúde que o levaram a uma internação difícil. Por causa dele que passei a ler mais sobre a Aids e acabei ingressando numa ONG e conheci centenas de pessoas que vivem esta situação.

Por causa do meu afilhado sempre me chamou a atenção à chamada segunda geração da Aids, os filhos e filhas de mulheres soropositivas. Nos anos 90 ainda ter um diagnostico positivo era uma sentença de morte e ter a coragem de trazer para o meio da família uma criança nesta situação eu vi como algo muito nobre cujo gesto eu me sentia, na época, incapaz de ter. A oportunidade de ter todas estas experiências e reflexões nasceu com um negrinho pequeno que hoje é um belo rapaz, alto, forte, de olhos claros e dois brincos nas orelhas, que infelizmente, não negativou, mas tem uma boa qualidade de vida sem maiores problemas de saúde.

Mas sempre que ouço algum especial da MPB dos anos 90 e aparece alguma musica do Camisa de Vênus eu me recordo daquela hora de viagem que modificou o rumo da minha vida e me fez mais humano e melhor. Talvez apenas uma coincidência, talvez um recado do destino, nem foi minha primeira camisinha, mas é a camisa de vênus que eu nunca esqueço e que me marcou para sempre.

3 comentários:

Scopus disse...

Muito boa a crônica Lee, parabéns... se é que podemos chamar de crônica algo que extrapola o limite da escrita por ser tão íntimo e humano como uma conversa a dois.

Chega a ser cômico como a vida desenha nosso futuro aos poucos... um pequeno ato nos cunha e prepara para um futuro que nunca imaginaríamos a segundos atrás.

Continue sempre escrevendo!!! Material de qualidade é escasso na internet e, o seu faz falta!

claudia q. disse...

linda história...

Wagner Hardman Lima disse...

Lindo texto, bela história, magnífico depoimento de vida. Fiquei tocado, sinceramente. Nada nessa vida é por acaso. Agora tenho um motivo mais próximo a te admirar por essa vivência.
E admiração pelo amigo belíssimo que vc tem. Só pessoas com espíritos evoluídos largam mão de coisas pequenas e lançam sobre a vida amor, afeto, solidariedade... de forma totalmente voluntária e expontânea.

Diga a seu afilhado q ele é um ser iluminado pelo pai e pelo padrinho que tem.

abçs