De todos os tipos de amor, o que mais me emociona é o chamado “amor de renúncia”. Quando visto a impossibilidade de consumação ou de continuidade dos laços, quando não há outra solução para evitar o prejuízo à única alternativa é a renúncia. Não acredito que exista renúncia ao sentimento, pois se verdadeiro, este permanece para sempre, mas sim a convivência, a responsabilidade mútua, a possibilidade de qualquer tipo de relacionamento que possa progredir para um futuro. Assim agem as mães que entregam seus filhos nos braços de outras pessoas pela impossibilidade material ou psicológica de cuidados, da mesma maneira intensa também os amantes após diversas tentativas fracassadas de reconciliação e vendo impossibilitada a convivência optam pela renúncia de uma construção conjunta. Lágrimas e sofrimento acompanham todas as renúncias, pois ela não implica numa negativa a continuidade do amor, mas sim a continuidade do relacionamento. Um paradoxo humano recheado de questões tão pessoais que fica impossível de generalizar oferecendo receitas de comportamentos.
O desapego é, para mim, o maior desafio do ser humano. A tendência que temos de guardar, acumular, juntar coisas vai, ao longo do tempo, nos tornando reféns deste emaranhado de acúmulos e tornando mais pesado o fardo que temos que carregar. Nossas bagagens se enchem do peso destas mágoas e ressentimentos e isto torna a caminhada mais difícil. Renunciar a algo é como deixar que as portas se abram para sair o que não pode mais ser levado e, assim, tonar a casa mais arejada e as malas mais leves. No entanto, nossa tendência é justamente o contrário. Quando um trabalho oferece uma boa remuneração, fica difícil de abrir mão de um status em nome de tranqüilidade maior, quando um relacionamento se prende pelo sexo fica difícil se desligar desta situação buscando uma plenitude diferente. Sempre estaremos enfrentando os dilemas entre as delícias que os grandes prazeres da vida oferecem e o custo emocional que eles exigem. Assim é com o dinheiro, o sexo, a fama, o poder e o amor.
Admiro as pessoas que diante de uma situação limite optam por renunciar a condição que vive, mesmo entendendo o sofrimento que isto causará, em nome de uma possibilidade melhor. Mesmo que esta alternativa seja uma ilusão no momento, uma corda de salvação em que se agarram como recompensa a imensa falta que o ato da desistência proporcionara. Talvez o ato de renuncia mais extremo seja o suicídio, quando todas as alternativas se mostram incompatíveis com a solução desejada, quando não há mais possibilidade viável de mudança, quando as capacidades humanas se transformam em inúteis frente à dimensão do problema enfrentado, a renúncia a vida surge como uma imensa possibilidade. Não estimulo o suicídio de ninguém, acho até que já evitei vários, mas entendo quem escolhe este caminho. A sociedade com sua forma exigente de performances vencedoras gera a histeria pelo sucesso, e isto força as mentes a se exigirem no limiar e quando os objetivos não são plenamente atingidos, o fracasso surge como sombra de vergonha. Então renunciar a vida surge como alternativa. Mesmo que existam diversas outras possibilidades além desta, a escolha recai, não raro, na que parece mais fácil e cujos efeitos não serão sentidos por que toma esta decisão.
Renuncio diariamente a muita coisa, pois escolho todos os dias outras tantas. Algumas são difíceis de desapegar. Para mim é um exercício de construção cotidiana de uma nova realidade. Não que a realidade seja tão boa, às vezes ela é tão obtusa que viver fora dela surge como a melhor das escolhas em dado momento. No entanto, existem escolhas difíceis de fazer, principalmente quando elas envolvem sentimentos. Não estou falando somente de relacionamentos amorosos, pois estes são, por excelência, os mais elementos mais complexos na passada de cada um por este planeta, mas falo de outras coisas que mexem com o nosso destino. Escolher onde e como viver, o tamanho da proximidade com a família, o nível de intimidade com os amigos, a taxa de confiança com as pessoas são coisas difíceis que nos arrancam horas de pensamentos e sofrimentos variáveis.
Na esperança de querer amenizar o estrago que as renúncias proporcionam procuro pensar que elas fazem parte de um aprendizado, que são como um período de transição entre algo que não nos servia mais e o melhor que esta por vir. Iludo-me pensando que o acúmulo de experiências vai me fazer errar menos, ou que respostas frias e atitudes objetivas vão me tornar mais resistente. Repito esta ladainha de coisas que não tenho certeza de nada e sigo tentando todos os dias limpar meu armário retirando o que não me serve mais. Às vezes vejo e revejo coisas antigas que tento me desfazer, mas que a falta de coragem me impede de uma despedida fatal. A coragem é o principal remédio para o desapego, mas infelizmente ela não é vendida na farmácia da esquina. Ela nasce de uma auto estima bem desenhada aliada a avaliação constante dos objetivos da vida e a constante busca por responder o que vale mesmo a pena. Quando tivermos esta questão definida, então teremos a coragem de nos desapegar do excedente e respirar aliviados o fim da carga excessiva, pelo menos até o próximo acúmulo.
3 comentários:
Falar de desapego em um mundo no qual quem tem mais melhor é, e de renúncia numa sociedade onde todos lutam pelo sucesso e nunca querem perder nada, já o início de uma nova concepção de ser humano. O primeiro passo é falar, refletir sobre este assunto e depois tentar mudar com atitudes, gestos, sejam eles os mais simples e pequenos possíveis. A coragem vem aos poucos, de repente ela se torna ousadia e por último ação. Parabéns pela reflexão. Abraços. Dennys
Parabéns Liandro belo belo post. e também bela bela auto epifania em descobrir a razão do desapego existir em nossas vidas.
um abraço!
Que texto lúcido e necessário...Parabéns.
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