sábado, maio 22, 2010

EPIFANIAS

Raros são os momentos da vida em que temos oportunidades de gerar revelações profundas sobre nós mesmos. A agitação do cotidiano, as necessidades básicas de sobrevivência, a cultura do ego, e a competição nos ocupam tanto que reservar um tempo para a reflexão é cada vez mais difícil. Existem vários caminhos para se atingir este patamar, o mais comum é o retiro da agitação e no silêncio procurar se ouvir. As respostas estão todas ali mesmo. Quando decanta a poeira da angústia e da desilusão, elas emergem esclarecedoras. Mas isto exige um exercício forte de concentração e paciência, coisa que as mentes urbanas dos homens modernos não estão acostumadas. Outro caminho é pelo estudo, quando num esforço – em geral de longo prazo – se aprendem técnicas de auto-análise e pela sua aplicação contínua se descobre mais sobre si mesmo. Um caminho longo e nobre reservado aos que transformam a renúncia e a ascese num projeto de vida. Mas a terceira via, a mais polêmica, que recebe maior número de preconceitos e que desperta a curiosidade do publico leigo, é a alteração de consciência. E foi desta fonte que novamente andei bebendo.

Meu superego é muito mais forte do que eu pensava e ele sempre acaba por me frear quando se tratar de ir fundo à origem dos meus problemas, na análise de minhas desilusões, na busca de minhas falhas e admissão de meus fracassos. Nem mesmo quando estou só consigo plenamente admitir alguns pontos, pois as defesas acorrem rapidamente diluindo a linha de pensamento e desfocando a análise para outros fatores externos. Em outras oportunidades, através da psicoterapia, tinha notado esta tendência, mas os muros criados – fruto de camadas de defesa em função das exigências a que sou submetido – me deram apenas uma visão parcial da realidade. Outros caminhos que levam a um afrouxamento maior trazem um estado de euforia momentâneo, mas que se esgota em si mesmo, e embora proporcionem uma desinibição a ponto de vencer a timidez ocasional, não geram situações que resultem em resultados que orientem a mudanças.

No entanto, quando a consciência sofre uma alteração a ponto de que a guarda baixe, sem receios, sem limites, sem que os cercados da vaidade, do orgulho e da tendência de justificar, um momento grande de epifanias se produz. Das primeiras vezes eu experimentei o Daime tive uma amostra disto, foram momentos de interiorização e busca interior. Mas mesmo assim sentia que conseguia ir até certo ponto. O receio do desconhecido aliado à tendência de não se chegar ao cerne de questões pessoais surgiam como um impeditivo e sempre parecia que o caminho só se percorria pela metade. Uma vontade de ir mais além foi se gestando até chegar ao ponto de eclodir de forma quase vulcânica, junto ao emaranhados de problemas, insatisfações e frustrações que se somaram nos últimos tempos. Parece que, às vezes, mesmo que nosso consciente e corpo atuem de maneira contrária, o inconsciente vai nos empurrando para oportunidades fortes de reavaliação de caminhos. Como se uma mão invisível nos guiasse para um ponto desconhecido, mas que produzirá o que procuramos. Este condutor pode ter um aspecto metafísico para os que acreditam nisto, mas pode também apenas ser o desejo interior que existe dentro de cada um de busca pela felicidade duradoura. Cada um escolhe seu caminho, mas sinto que grande parte de nós não percebe esta necessidade.

Esta semana consegui galgar um pedaço a mais da busca do autoconhecimento, pelo processo de alteração de consciência, através do Daime. Foram horas de um mergulho profundo no meu mar interior em que caminhos tortuosos foram trilhados. Como nos processos clássicos de redenção, tive que enfrentar a noite da angústia, do desconforto e das próprias fragilidades. Um período mais longo de imersão no culto e na bebida exige um esforço maior não apenas físico, mas também de capacidade psicológica de enfrentamento de tudo o que pode vir à tona. Revi diversos pontos da minha vida, na família, na relação com meu pai, nos relacionamentos, do efeito das escolhas sobre o presente e a construção do futuro. Chorei sozinho me dando conta das coisas que realmente valem a pena e de quando, por comodismo, vaidade ou jogos de poder, acabamos perdendo a real valoração das coisas. Por fim veio um período longo de paz perene e de alegrias, que afastaram o cansaço e o sono.

Um importante ciclo se fecha com esta quinta experiência daimística. Sempre fui contra a banalização do seu uso, portanto acredito que minha busca foi contemplada. Posso retornar ao culto em outra ocasião, mas agora é hora de seguir adiante e pôr em prática uma série de questões, fruto desta oportunidade tão rica. De todos os desafios que enfrentamos na vida acredito que poder desenvolver o autoconhecimento é o mais difícil deles. Queremos sempre maquiar as questões difíceis da personalidade transportando para os outros, e as circunstâncias, a responsabilidade dos nossos atos. Assumir o controle da própria vida implica em reconhecer a causa principal de nossos comportamentos, mas este não é um exercício fácil. Eu encontrei uma indicação, que cada um encontre a sua.


3 comentários:

garoto de reticências disse...

É meu amigo, o caminho para as epifanias não é tão simples. a gente mesmo se impede de chegar lá, com nossos mecanismos conscientes e inconscientes.
Mas fico feliz de saber que vc está emergindo da escuridão do seu condicionamento X (quisera todos pudessem fazer isso, sem sofrimento, sem mal querer).

um abraço!

Anônimo disse...

Às vezes penso que conhecer (e se admitir) a si próprio é tão complexo quanto a busca pelo conhecimento do universo, se é que uma coisa pode ser dissociada da outra.
Grande pensamento o seu.

Parabéns pelo blog!

kikoriaze@hotmail.com
http://kikoriaze.wordpress.com

Elaine Kabarite Costa disse...

Adorei o texto, pra variar....Mas nossa como me identifico com questão do autoconhecimento....por que é difícil MESMO!!!!"Mas se não o fizermos teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos", como já dizia Fernando Pessoa. Não podemos perder o trem da nossa história....
Sensacional!

Bj no coração