quarta-feira, junho 18, 2014

RESENHA Livro - BIOFOBIA de Santiago Nazarian



RESENHA
Livro - BIOFOBIA de Santiago Nazarian
Liandro Lindner
Jornalista

A cada ano, minha mãe tirava um quadro do meu pai da parede para dar espaço a mais uma estante de livros.“ A frase é de Santiago Nazarian numa entrevista de 2005 e também aparece dos devaneios do personagem André, na primeira parte de seu oitavo livro: BIOFOBIA, recentemente lançado. A história conta o retorno de um jovem músico à casa da mãe recém-falecida para enfrentar a burocracia que a morte exige e resgatar seus fantasmas, reelaborando-se para a nova fase que enfrentará.

Penso que todo o artista é, no fundo, um pouco Peter Pan flanando num mundo onde as dores da idade adulta parecem ficar longe, mas quando a “Terra do Nunca” começa a desaparecer a obra acompanha estas mudanças, revelando-se em sutilezas na forma de escrever. Não que o amadurecimento da idade seja o ápice de todo escritor, mas sim que as vivências acumuladas, junto com os medos e ansiedades dos anos conferem tempero diferente a qualquer produção. No cinema é fácil identificar na obra do diretor espanhol Pedro Almodóvar esta trajetória. Primeiro os thrashs, marcando território e contestando, em seguida os filmes mais densos e no meio dos dois uma produção sobre a mãe, grifando o trânsito e considerada uma de suas melhores produções. A figura da mãe, também central na narrativa do novo livro, é emblemática para a fase atual do autor.

Não comparando, BIOFOBIA parece ser um marco de guinada na carreira de Santiago. A morte, tradicional argumento de seus livros, aparece agora de forma melancólica produzindo sentimentos de isolamento, reflexão, exibindo a finitude humana como limitação presente. A realidade da morte da mãe do personagem vai além do fim de um ciclo, mas se enuncia como uma nova realidade onde o menino precisa encarar a vida sozinho e viver ao fundo sua transição, não fugindo das dores e enfrentando as ameaças, apresentadas metaforicamente como vindas da natureza verde (o mundo selvagem) que rodeia a casa onde se passa a história.

A identificação do personagem com o autor é evidente o tempo todo, não apenas reciclando  frases de entrevistas, mas inserindo na narrativa elementos de outros livros como a citação de Thomas Schimidt – figura constante em sua produção- chegando até a queimar no fogo da lareira seu terceiro livro, “ Feriado de Mim Mesmo”. Quem sabe referenciando a mudança de rumo que deu ao seu trabalho.

Santiago está em transição, não há como negar. Seus 37 anos e seus anteriores sete livros revelam um caminho que neste parece andar num ritmo diferente, não  descambando pra uma seriedade oportunista, pois como mesmo diz o autor e o personagem repete: “ "No Brasil ou você é sério ou é ruim”. A ironia – traço tradicional de sua escrita- permanece presente, porém mais refinada e mais cheia de referências que talvez os que acompanham mais de perto seu trabalho e suas opiniões, possam entender melhor sua utilização. As tiradas à Oscar Wide (“ A amizade é uma forma de se permitir abusos”) são constantes, ditas por um dândi urbano que veste camisetas da Banda Suede e vêm acompanhadas de sacadas clariceanas captadas de uma TV mal sintonizada que em preto e branco falam de tristeza e de leitura. “ Quanta intelectualidade”.

Nazarian nunca esteve tão Nazarian.



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