segunda-feira, janeiro 08, 2007

Eu moro numa cidade onde se plantam jacas nas calçadas


Morar em Brasília é estar aberto para as singularidades que esta cidade proporciona. Já andei por quase todo o Brasil, por diversos países, conheci lugares exóticos, históricos, diferentes, mas nada se compara a singularidade desta cidade planejada no Planalto Central. Aliás, demorei muito para encontrar a palavra certa que expressasse o sentimento que ela me desperta: singularidade.

Sinto muita falta de Porto Alegre e das coisas de lá que não tem aqui. Aqui as esquinas são raras, o clima é difícil (ou calores escaldantes ou vários dias de chuva), as distâncias são enormes e quem não tem carro não tem vida. Mas em compensação a cidade é arborizada, não existe poluição, a oferta de restaurantes é enorme, com variedades absurdas.

É andando pelas calçadas, ruas, entre quadras e largas avenidas que as diferenças ficam mais evidentes, mesmo que isto exija sensibilidade de pesquisador. Ao abrir a janela de manhã, a visão ampla do horizonte expande o olhar. Acima um céu de anil parece mais amplo e o sol vibrante ainda não mostrou todo o seu fulgor. No final do dia, quando a sombra vai tomando conta dos canteiros arborizados, as árvores frondosas recebem dezenas de caminhantes e um outro aspecto da capital se mostra. Depois da hora do “Ângelus” a cidade ganha outro contorno. Nesta época especialmente, quando as chuvas são constantes somos brindados por um verde intenso, canteiros floridos, oxigênio puro sendo exalado nos diversos parques ou bem próximo de casa, sem precisar ir muito longe.

Junto-me quase que diariamente aos caminhantes que se multiplicam no final da tarde. Passando entre as grandes árvores, aprecio os pássaros, flores e folhagens que dão o contorno deste exercício cotidiano. Fico surpreso ao ver mangas amadurecidas, laranjas e principalmente os imensos pés de jacas, ostentando frutas enormes, quase maduras, penduradas nos pés. Onde nos diversos lugares por onde eu andei poderia imaginar encontrar um pé de jaca em plena rua que imponente observa os passantes que vêm e vão?

Muito além da arquitetura imponente e famosa, do estilo moderno, das tentativas vanguardistas, da mistura de cultura que não gerou uma própria, dos políticos e de todas as coisas ruins que eles produzem, Brasília se destaca pela natureza presente. Aqui é possível meditar ao pé de um flamboyant no cedinho da manhã, descansar debaixo de uma paineira após o almoço ou parar para admirar um imenso e carregado pé de jaca no retorno da caminhada no fim do dia. Coisa quase impossível de se fazer em São Paulo e no Rio de Janeiro e cada vez mais difícil na minha Porto Alegre.

Demorei muito para ver aquela jaqueira carregada, meus olhos ainda estavam viciados nas distâncias da cidade, meu corpo reclamando o calor intenso de um meio dia em plena a seca, minha mente ainda perdida tentando me achar nas quadras e superquadras. Por sorte, o tempo de início de ano me trouxe a felicidade de poder notar aquela árvore, até então permanecíamos ela muda e eu desatento.

Quantas desatenções ainda cultivo e quantas boas coisas ainda estarei perdendo por não notá-las. Espero que ao me dar por conta do pé de jaca meus olhos se abram mais sem a necessidade de uma fruta daquela tamanho cair em minha cabeça e me chamar, de forma decisiva, a atenção.


4 comentários:

garoto de reticências disse...

são os milagres desapercebidos de Brasília. Também, né, tanta coisa correndo, todos nós correndo... acabamos não tendo muito tempo para o qeu vc chamou de "singularidades"

abraço!

Anônimo disse...

Eu tambem moro dessa cidade. Cidadezinha, pequenina, poucos habitantes. O tipo de cidade planejada para ser de concreto, mas que teima em ser verde.
bjs mil. Rachel

Anônimo disse...

Bendita jaqueira que fez esse moço bonito perceber as belezas singulares da minha cidade.

Beijo grande.
Carina

Anônimo disse...

Você não imagina como eu amo esta jaqueira abençoada que te faz começar a ver a cidade maravilhosa que está diante de ti. Que inveja meu querido...
Queria muito estar aí, no vício dos olhos nas distâncias da cidade, no pôr do sol, no amanhecer no horizonte com o sol ainda aparecendo, na formação das nuvens praquela grande tempestade, ....mas pode estar certo....que em pensamento tô todos os dias....sem exceção....e sem exagero.
Turra (chorando...)