segunda-feira, agosto 13, 2007

Fim do ciclo dos avôs e a pior das perdas






Das perdas que eu tive na vida, até agora, nada se compara a que senti no fim da semana passada com o falecimento da minha avó e madrinha. Com quase 90 anos e saúde debilitada vinha num decrescente de vitalidade, mas não perdeu nunca a lucidez e com ela o conhecimento do que acontecia ao seu redor. Foi se apagando como uma vela que se consome, mas saiu desta vida sem passar por sofrimentos maiores nestes momentos derradeiros. Isto serve de consolo para a tristeza que sua ausência impulsiona e a saudade que vai ser companhia por um longo tempo. Falávamos-nos seguidamente pelo telefone trocando impressões como estávamos, sobre os planos de vida, sobre o noticiário (que ela acompanhava com interesse). Estava sempre atenta e preocupada com os seus, queria saber detalhes do cotidiano de cada um procurando, dentro das suas limitações, ajudar e aconselhar. Quando nos encontrávamos, quase todos os meses,
eu sentava bem próximo a ela, muitas vezes de mãos dadas, conversando sobre a vida e relembrando a infância e a adolescência.

Era a última dos avos que me restava. Já não tenho mais quem abraçar e chamar por este nome e o vazio que isto me causa é enorme. Durante as despedidas finais fiquei lembrando de vários momentos que passamos juntos rindo, dividindo coisas, contando histórias, revelações, partilhando tristezas, sentindo saudades mútuas que se transformavam em alegrias a cada reencontro. Passava as férias de escola junto dela no sítio onde moravam, quando todas as manhãs partiam uma melancia que nós, crianças, nos lambuzávamos comendo em fatias. Quando sofríamos uma queda ela vinha correndo colocando sal no ferimento, consolando e sempre nos protegendo quando fazíamos algo errado e os pais queriam nos castigar.

Íamos juntos para a praia no verão, onde era vigiado para não ir longe demais quando entreva no mar. Eu garoto a acompanhava na caminhada para as missas de sábado à noite, observava seu cuidado com os pés de azaléia, sentia ao longe o cheiro do feijão preparado com carinho e sorria guloso quando ela me presenteava com um doce feito em casa. Foi a pessoa que me apresentou o cinema, me levando a uma sessão numa antiga sala em sua cidade, e no momento em que as luzes se apagaram eu levei um susto e procurei imediato sua mão protetora. Quando a fragilidade começou a se manifestar mais forte eu também a ajudava, com cuidado, a se levantar e locomover e seus olhos lúcidos acompanhavam nossos esforços e o retribuíam com um sorriso de agradecimento. Estava sempre junto de nós nas festas de final de ano, nas festas de família, nos meus aniversários.

Depois do falecimento do meu avô as dificuldades foram se ampliando, com certeza também efeito da falta do companheiro de quase 70 anos. Foi ficando com mais limitações de locomoção, exigindo cuidados especiais, aumentando a carga de remédios, mas acima de tudo carecendo de mais atenção e carinho.


O fim do ciclo dos avôs representa também uma lembrança da finitude humana e um sinal (possivelmente não o primeiro, mas um dos mais visíveis) de que o nosso fim já começa a emitir mensagens para não nos esquecermos que um dia ele vai chegar. Eu sei que outras perdas maiores ainda virão pela frente. Sei que precisarei de força, fé, maturidade e muita calma para enfrentar problemas maiores. Sei também que ninguém vive para a sempre, que a vida é feita em ciclos, que um se abre quando o outro se encerra. Sei que o sofrimento da idade avançada é inevitável e que ele se estende para além do idoso, atingindo também o entorno da família cuja rotina fica alterada em função dos cuidados necessários. Sei de todas estas teorias e receitas que são costumeiramente ouvidas nestes casos, mas nada disto é capaz de diminuir a saudade que a ausência que alguém amado causa, a tristeza pela falta física desta pessoa nos traz. Somente o tempo, vilão de todos os sentimentos, torna próximo o conformismo, transformando a saudade em lembrança, numa forma mais serena e menos dolorosa.

3 comentários:

Anônimo disse...

Feliz é o filho que pode lembrar dos pais, e dos pais de seus pais, com serenidade, com alegria, com saudades. Feliz és tu, que tens a quem prantear. Alguém de tua vida foi e deixará saudades. Parabéns, es um felizardo, pudestes beijar-lhes as mãos e dizer o quanto a amava. Feliz és tu. Chora. É muito bom chorar por alguém que de fato mereceu ser amado.

Anônimo disse...

Me solidarizo com a tua tristeza. Mas que privilégio poder conviver, já adulto, com avó(ô), eu não tive essa sorte, não conheci nenhum deles(as).
Mas é isso, o Tempo ajuda a tornar nossa dor menos sofrida e a saudade um pouco menos amarga.Podes ter certeza, pois eu sei do que estou falando...
Beijos com carinho.

Carlos César disse...

"Só se tem saudade do que é bom, se chorei de saudade não foi por fraqueza,foi pq amei"(diac.nelsinho)
Compartilho com vc esse sentimento não de plena tristeza, mas de eterna saudade. Uma das minhas maiores saudades é também da minha avó, avó materna.A certeza da ressurreição alimenta a fé dos que creêm e aumenta a confiança dos que esperam.
Enfim, o ciclo da vida que parece não seguir a lógica humana. Os bons se vão , os maus são duros na queda, e assim de tão paradoxal a vida passa a ser engraçada, triste, alegre. Ai que me dera compreender os segredos e os mistérios dessa vida.

forte abraço...