Todos os dias no interior do Rio Grande do Sul um homem, já caminhando para os 70 anos, acorda antes do nascer do sol. Especialmente nestes tempos gélidos do inverno gaúcho acende o fogão a lenha, prepara o chimarrão e contempla o horizonte pensando na vida, na infância com a mãe e os diversos irmãos, na juventude, nas dificuldades dos tempos do trabalho insalubre, na companheira de mais de quatro décadas, na alegria dos filhos e, agora, dos netos: meu pai.
Mês passado passeando por uma praia em Salvador me chamou a atenção um garoto, menos de vinte anos, olhos claros e tristes, sem sorriso, que mesmo estando com um grupo de amigos parecia não se entrosar totalmente com eles. O olhar perdido contemplando o azul do mar. Quando ele levantou deixou a mostra uma tatuagem em letras grandes que ocupava toda a parte superior de suas costas, estampando: Dad, I miss you. ( numa tradução rápida Pai, eu sinto sua falta).
A figura paterna já foi tema de milhares de discussões, enredo para livros, roteiro para filmes, inspiração para letras de música, para personagens de novela, para encenações do teatro. Por mais que se fale ainda sempre será pouco, acredito que a limitação do idioma não nos permite o suficiente para transformar em códigos às emoções e a profundidade da situação de um homem quando se torna pai e de um filho em relação a esta figura emblemática que desperta ao longo da vida sentimentos variados, muitas vezes contraditórios.
Eu há muito decidi não ter filhos, prefiro ser tio. Acho o mundo cada vez pior para se deixar o meu DNA e acho meus ombros muito fracos para sustentar esta responsabilidade. Mas tenho uma admiração por quem esquecendo as agruras do mundo e, se fazendo mais forte dos que realmente é se lança neste desafio. É preciso se fazer gigante, ter mil mãos, ser duro mesmo chorando, se esforçar com um sorriso e estar pronto para não receber agradecimentos ou recompensas. Por outro lado ser pai não é uma tarefa para qualquer um. Saber desapegar-se, controlar-se, ter a consciência de que está servindo de norte para pequenos seres que lá adiante, na vida adulta, ainda levarão as marcas da convivência, não é uma tarefa fácil e boa parte das fila nas portas dos psiquiatras se deve a esta convivência nem sempre harmonica.
Enquanto a sociedade cobra do homem postura rígida não deixando a sensibilidade aflorar, as mulheres e mães têm o lado sensível estimulado e são cercadas de carinhos mais explícitos. Felizmente vejo nas novas gerações mais demonstrações espontâneas de afeto entre pais e filhos, embora reconheça que sejam raras. Lembro que uma vez no tapete de casa, meu sobrinho – na época pequeno - disse pro meu irmão: “Pai, eu te amo.” Aquele pequeno momento, que devia ser corriqueiro pro meu irmão, para mim foi de um significado profundo, pois embora tivesse uma gama de sentimentos muito semelhante com meu pai, não me lembro de ter dito isto pra ele, muito menos de forma tão tranquila como meu sobrinho havia feito.
Vejo no rosto dos amigos cujos pais faleceram ou estão distantes, físicas ou emocionalmente, a falta que eles fazem. Somente uma perda deste quilate acorda o sentimento e nos faz pensar não somente na sua importância na nossa formação, mas também no legado que nos deixaram que, bom ou mal, nos acompanha sempre. Pais não são super-heróis, são seres humanos sujeitos a falhas e deslizes como qualquer um de nós. Infelizmente cobramos demasiado deles e somente quando chegamos à maturidade, ou para alguns à paternidade, que compreendemos esta realidade e desejamos que ela não seja tardia.
Um comentário:
'Quando fecho os olhos, estou sentada na pequena escada que tem vista para o quintal, que era uma mar verde repleto de árvores lindas. Todas carinhosamente contornadas por umas pedrinhas em fileira que meu pai botou em volta'
Quando volto anos atras,levada por textos lindos como esse que li nesse blog, agradeço.
Todas, todasss as minhas lembranças do meu pai, são doces, sinto saudades...
Boas vibrações sempre!!!
~Ana Brunini
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