sexta-feira, novembro 23, 2007

Almoço existencialista ou Sarte comia carne



O fantasma de Sarte sentou a minha frente na mesa do restaurante vegetariano hoje no almoço. Enquanto eu admirava o colorido dos vegetais e dos grãos ele me observava com seu olhar estrábico atrás das lentes de fina armação. Depois disse: “Não tem jeito. As coisas são assim por que são.” A princípio não liguei e tentei me distrair entre as beterrabas e os brócolis, mas ele continuou ali insistente afirmando que “não existe solução, nada muda e enquanto durar vai ser assim.” Terminei rapidamente a refeição e fui tomar um chá e lá estava ele fumando um cachimbo, que o encobria numa nuvem densa de fumaça, nos encaramos e ele dá me dá a estocada final: “Tudo depende de você, não espere nada, além disto.” Segui minha caminhada solitária pós-almoço com ele me observando da porta do restaurante.


O escritor e poeta francês George Perros dizia que o filósofo Jean Paul Sarte era um “vegetariano que só some carne crua”. Ilustrando numa metáfora culinária como o conterrâneo cortava a carne do ser humano, indicando a verdade nua e crua que se esconde atrás da superstição, do charlatanismo e da ilusão. Para quem tem formação cristã e imensa influência do misticismo, como eu, ouvir um pouco de discurso existencial é um choque profundo de realidade. Não que eu cultive o comodismo de ficar na espera de uma intervenção divina para resolução dos problemas, pois sempre procurei unir ação à reflexão. Tenho buscado ultimamente luzes para interpretar o significado de imensas coincidências que aconteceram e que parecem levar para algum caminho, um recado, uma mensagem do cosmos querendo dizer algo.


Coincidências, repetições, detalhes, sutilezas tudo parece se combinar como um grande enigma. Ao decifrá-lo terei acesso a respostas que estavam guardadas e entenderei qual a alternativa que o universo esta querendo me apresentar? Ou então tudo não passou de fatos isolados que se encontraram de forma aleatória, sem qualquer efeito maior ou motivo de grande amplitude? Aconteceu e passou, como um vento de final de tarde, e só resultara em algo se houver uma ação que me mobilize para tal, caso contrário será o mesmo que nada?


Acredito na intervenção divina, na ação do sobrenatural e do imanente nas nossas vidas. Mas vejo nestes atos muito mais um estímulo para a ação de mudança do que um conformismo frente as realidade. Quando sinto uma mão invisível me guiando sei que ela não fará tudo sozinha, mas dependerá de mim – a partir da minha liberdade e das minhas decisões - agir para tornar realidade às intuições recebidas. Infelizmente muitas vezes questões de crença acabem sendo determinantes para uma paralisia frente às injustiças da vida. Como se um poder divino superior determinasse que algumas pessoas vão sofrer para sempre, não podendo livrar-se deste peso pelo próprio esforço e os outros não podem ajudá-la solidariamente para não interferir nesta vontade do além.


Nem tão descrente a ponto de não ter fé, nem tão iludido a ponto de achar que tudo depende dos céus. As sincronias existem, mas saber passar os fatos na peneira da realidade é preciso, pois noto cada vez mais a tendência de se lançar tudo pro alto fugindo da responsabilidade das decisões e depois se desculpando que foi assim porque o astral decidiu. A fé é algo a ser cultivado, não pela imposição do medo, ou como uma utilitária caixa de emergência para as ocasiões difíceis, junto dela outros sentimentos como amadurecimento dos conceitos e responsabilidade nas decisões crescem contribuindo para a evolução das pessoas. O outro caminho é acreditar que somos meros bonecos nas mãos de forças do além, sem vontades ou desejos, incapazes de escolher o nosso caminho. Quando isto acontecer que o fantasma do velho Sartre sempre apareça para um banho de realidade, ou pelo menos envie um sinal através da fumaça perfumado de seu cachimbo.



Para J.P.

10 comentários:

Anderson disse...

Li o texto.

Não somos meros bonecos manipulados do além, mas negar essa inspiração espiritual nos cordões dos nossos atos é ignorância igrejusta e ateísta.


Parabéns pelo blog.

Brasília disse...

puts, post muito massa.

tbem sou de brasilia, cidade lindaaaaaaa.

passa por la tbem ok?!?!
http://plyniolp.blogspot.com/


valew

Everaldo Ygor disse...

Ótimo Post!
Muito bom o seu blog, vou revisitar...
Bela Conto, vou ficar assombrado pelo velho Sartre hoje a noite...
Abraços
Everaldo Ygor
http://outrasandancas.blogspot.com/

Otávio B. disse...

A vida, a realidade, e tudo que existe são coisas fabricáveis...Até que vem a verdade e prova por a+b que nada se torna o que é apenas por que alguém quis...

Sartre era mesmo o cara, apesar de usar aqueles óculos meio "john lennon"(risos)

Abraço

Anônimo disse...

Numa coisa Sarte está certo...tudo depende de você, e não espere mais nada além disso.

É a dura realidade, que é mais forte que nossos sentimentos e verdades.

Abraço

Zanfa disse...

Ótimo texto, a religião e a fé são sempre questões delicadas e polêmicas. =)

Johnny M. disse...

Yo no creo en nada. Descobri que sou agnóstico, cético, quando já cursava Filosofia na universidade, mas na realidade eu sempre fui. Nunca acreditei em Deus. Sequer consigo conceber essa idéia. E não creio em nada que tenha alguma relação com misticismo. Acredito apenas na realidade dura, crua e nua, e bela, poética, romântica. Acredito apenas na minha liberdade. Como disse Sartre: "o homem está condenado a ser livre".

MaxReinert disse...

"Yo no creo en las brujas... pero, que las hay, las hay!"....

hehehehhehe

Anônimo disse...

mais uma vez...parabéns!belíssimo texto!
e cada vez tenho prestado mais atenção nas "sincronicidades"(as coincidências significativas), na minha intuição, no meu inconsciente... vale a pena!

Anônimo disse...

eu acredito em algo chamado livre arbitrio...nos temos a liberdade de tomar nossas decisoes e devemos arcar com os resultados delas. Tenho fe no poder divino, mas acho que nossas vidas sao guiadas pelas nossas proprias decisoes...