O medo da morte é o mais me impressiona. Nascemos apenas com esta certeza, mas fugimos de sua lembrança durante toda a existência. Para aquecer esta amnésia se inventam cremes anti-rugas, estimulantes, corretivos e energéticos. Criam-se as gerações de adolescentes tardios e os eternamente jovens. Em nome de uma visão consumista acabamos presos numa fase que já não é mais nossa realidade, simplesmente para nos tornarmos agradáveis aos olhos sociais. Crianças até os 20, adolescentes até os 30, adultos tardios na faixa dos 40, fora de época aos 50, expostos ao risco pelo excesso aos 60. Com menos responsabilidades e mais mimos e queixas causando prejuízo aos que os cercam e sofrendo em dobro pela fuga da maturidade que insiste em se instalar. Morrer com o rosto que nascemos é o sonho da indústria de cosméticos, mas terminar nossa existência amadurecida e mais sábia é um ideal que exige mais.
Esquecemos que até o dia derradeiro do último suspiro, passamos por outras mortes, vários fins que se acumulam até que o grande final chegue. A cada perda vamos definhando um pedaço, como se um dos nossos membros fosse amputado. A resposta que não veio à esperança perdida, o amor desfeito, traições, decepções, ingratidão: faces com que a morte se apresenta mesmo antes de seu beijo fatal. Sempre imaginei Dona Morte como uma mulher sedutora de meias de seda, vestido colado preto, muito batom vermelho, que fuma e tem longos cabelos e olhos negros. Ela tenta nos seduzir, e dança sensualmente seu bailado de atração, tentar fugir de seu abraço é nosso desafio. Já a solidão, irmã mais velha de Dona Morte, é uma senhora que igualmente veste negro, mas vive sentada numa poltrona, em silêncio, coque no alto da cabeça nevada, xale de nos ombros, mãos unidas, olhar perdido nos olhos tristes, sempre pensando. A solidão não se move, não baila, não exibe o ar de sedução, ao contrário silencia de modo pesado e extremo.
Passamos a vida assim. Cercados pela sedução da morte, silenciados pela ação da solidão. Tentando fugir das duas esquecendo da sua ação e do seu poder. Ambas estão presentes no nosso dia a dia e se revelam de forma discreta quase imperceptível. Uma silencia e nos contempla com seus olhos lacrimejados, cercado de rugas, quando o telefone não toca, a carta não chega, a resposta não vem, o retorno não surge. Outra sorri com todos os dentes de sua boca carnuda quando o desânimo e a contrariedade batem, quando o cansaço impera e o descrédito cresce. Saber conviver com estas filhas do medo durante a vida é um esforço imenso. Quando nos pensamos superiores a elas, tombamos diante de seu olhar ou de seu sorriso. Como falou o “maluco beleza” Raul Seixas em uma de suas bem inspiradas letras: “a morte, surda, caminha ao meu lado e eu não sei em que esquina ela vai me beijar”.
Drummond
http://www.tanto.com.br/drummond-congresso.htm
Raul Seixas
15 comentários:
Muito bacana Dr. Lee!
Abraço!
"Existem certo sentimentos presentes no cotidiano de todas as pessoas, mas que se revelam de maneiras e ocasiões diferentes."
Essa parte já disse tudo!
excelente o texto! bacana msmo!!
"Passamos a vida assim. Cercados pela sedução da morte, silenciados pela ação da solidão. Tentando fugir das duas esquecendo da sua ação e do seu poder" melhor parte!
É o medo que nos mantém vivos. Os impulsos sexuais e de sobrevivência são as duas coisas que torna as nossas vidas suportáveis e prazerosas.
muito bom texto
Muito bom o texto.
É a mais pura verdade. E talvez seja dai que venha a explicação dos maiores erros humanos.
Ah, sim. Esqueci de me apresentar.
Prazer, Bia. Vi seu blog numa comunidade.
;**
Olha! Não tenho palavras para elogiar o teu texto porque é uma maravilha do pensamento. Do modo com o qual você descreve seu ponto de vista da morte e da solidão, nos convida a comtempla-las até com menos medo e mais compreenção. E um convite explícito à reflexão sobre estes fatos inexoráveis. Realmente são duas formas de medo que embaraçam a psique (ou o ego) desde os tempos dos tempos, e poucas pessoas abordam este tema com a simplicidade e ao mesmo tempo com a flexibilidade que fizeste. Adorei quando você menciona também o fato dos esforços do pensamento coletivo em evitar o destino final, ou se bem fugir da idéia do inevitável. meus sinceros e humildes parabéns. Um texto assim dá gôsto de ler.
Pow..
kra..
com certeza..
eu achu q o medeo eh um dos sentimentos mais presentes no nosso mundo hj..
existe o medo de como as pessoas vao julgar vc, até mesmo o medo da morte..
q indiscutivelmente, existe, e será difícil, ou ate mesmo impossível de ser sanado..
um abraço..
Fui
Uau. texto maravilhoso. Muito bom mesmo!!!
linkei vc!
beijos
...muito boa reflexão.... difícil aguradar o beijo dessa senhora de forma tranquila e sem medo!... um dia ele há de vir, melhor ter feito o que é possível...
"Dizem que a pessoa somente revela quem é quando exposta ao medo. Ali as máscaras caem e nos mostramos frágeis e dependentes, carentes de ajuda e de atenção. "
GOSTEI MUITO DESTA PARTE... VC ESCREVE MUITO BEM, LIANDRO. REALMENTE, SÃO NESTES MOMENTOS QUE REALMENTE MOSTRAMOS QUEM SOMOS, E MAIS - SÃO NESTES MOMENTOS QUE OS NOSSOS VERDADEIROS AMIGOS ESTÃO AO NOSSO LADO, E DESCOBRIMOS QUE TEMOS VÁROS CONHECIDOS, MAS AMIGOS DE VERDADE SÃO POUCOS.
ADOREI O TEXTO!!! PARABÉNS E ABRAÇÃO!!! =)
Acho que somente reconhecendo a Morte e a sua dimensão poderemos reconhecer a Vida... e sua dimensão. Não quero essa morte asséptica, de hoje, muito menos a sua negação. Negar a morte é negar a vida e, por consequência, o amor. Ricardo Aguieiras(aguieiras2002@yahoo.com.br)
Gostei do texto.
Também sou perturbado pelo mesmo tema. Acolho-me, ainda, ao encontro inevitável, a partir dela, desfilando, atraindo-me; ou quando a procuro ao cheirar o hálito mais puro de um recém nascido.
Um abraço.
Pedro
Gostei do texto.
Também sou perturbado pelo mesmo tema. Acolho-me, ainda, ao encontro inevitável, a partir dela, desfilando, atraindo-me; ou quando a procuro ao cheirar o hálito mais puro de um recém nascido.
Um abraço.
Pedro
Cansada da companhia desta anciã sentada na cadeira, com seu coque e silêncio indefectíveis, devo me render a sedução desta outra moça que dança, que por fim me acalmará.
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