Passeando por um dos sebos que freqüento constantemente encontrei o livro escrito por Lili Marinho, narrando sua trajetória de vida e amor com o todo poderoso Roberto Marinho. Em geral não me interessaria por obras deste tipo, mas me chamou a atenção que o livro, já gasto tinha uma dedicatória curiosa escrita com letra elegante: “Maria. Lembrei de que nossa história não é menos interessante do que esta. Que Deus continua a nos abençoar. Beijos do seu José.” Pelo jeito a história acabou, o amor foi esquecido e o livro acabou num dos balaios de um sebo lotado de obras já lidas. Dos prazeres que encontramos ao passear por estes lugares, um dos que mais me animam é ver entre as páginas algum resquício que possa indicar a quem pertenceu aquele exemplar. Não faço questão de saber o nome e a origem do ex-dono, mas me interessa muito mais saber o que chamou a atenção, o propósito da compra ou a intenção do presente. Quando encontro linhas sublinhadas ou anotações à margem das páginas então, sinto uma excitação quase juvenil e fico imaginando as motivações e as sensações que o leitor teve ao deixar aquelas marcas.
Meus livros são sempre assim riscados, assinalados, sublinhados, com observações nas bordas e no final das paginas e capítulos. Gosto de relê-los com longos intervalos para notar as mudanças de pontos de vista que sinto com o passar do tempo. Em geral percebo que fico mais amadurecido e racional e menos crédulo e iludido. Não sei se isto é de todo bom ou se é ruim em excesso, mas é o que observo. Tenho livros com dedicatórias amorosas nas minhas estantes, eles repousam lá como eternas lembranças do que um dia foram os afetos vividos. Dormem com os clássicos e literatura diversa juntando ficção com a minha biografia, fragmentos de vida ao lado de romances, ensaios, crônicas, contos.
Maria pelo jeito fazia o mesmo, pois o livro de Dona Lili tinha frases assinaladas, sobretudo as que falavam do ardor da paixão e dos reencontros do amor. Ela deve ter lido com o coração apertado se identificando com a história dos Marinho. O amor chegando já no outono da vida, os anos separados e as vidas construídas cada um para um lado, o encontro muitos anos depois e a busca do tempo perdido. Junto com as páginas foram fragmentos de esperanças. José acreditava que a história deles era tão interessante quanto à dos ricaços e se entusiasmou quando viu o anúncio na vitrine da livraria. Caprichou no texto e na letra e entregou a amada o livro logo que foi lançado. No gesto pensava em homenagear a companheira com tal comparação daquilo que a mídia vendia na época como o ideal de amor. Imagino a compra, a leitura rápida das páginas, a dedicatória, o papel de presente, a emoção da entrega e a expectativa da reação de Maria.
Ao presentear achou a saga dos protagonistas tão interessante quando a sua e ofereceu com esta inspiração. Pediu também, na dedicatória, que a mão do todo poderoso continuasse a abençoar o casal. Mas a realidade foi mais cruel e bateu na porta de ambos fazendo, especulo, que a separação ocorresse e que o livro fosse se perder entre milhares numa loja de livros usados.
Um pouco mais de três anos depois deste momento, este exemplar acaba me encontrando. Algumas páginas rasuradas, a capa amassada pelo transporte e pelo manuseio de diversas mãos. Jazia num amontoado entre receitas e livros infantis, auto ajuda e biografias de celebridades. Aquele amor tão profundo que se assemelhava com a história do livro não sei onde anda mais. Ou se perdeu na poeira do tempo, como as prateleiras dos sebos, ou não conseguiu acompanhar os sucessivos lançamentos de historias de amor midiático que a indústria de best seller lança costumeiramente.
A palavra escrita se perpetua. Por isto se lançam tantas coisas ao vento, mas o registrado permanece. Uma dedicatória de amor, num livro, guarda uma carga de efetividade que vai além de quem a dedicou, ou recebeu, mas se amplia e encontra quem a lê. Mesmo que o pó do tempo e o desbotado das páginas tornem seu texto menos importante ou local onde se encontrar seja fora de contexto. Guardar estas emoções não é nostalgia barata, mas é perpetuar as coisas boas que os afetos proporcionam, mesmo que eles não vivam mais. Como a luz de estrelas que não mais existem, mas que continuam a iluminar nossas noites.
8 comentários:
que lindo!
tenho prazer de ter um livro dado de presente por ti e com uma carinhosa dedicatória...lembras?
beijão recheado de carinho!
Ótimo post, parabéns você escreve muito bem, cara!
Adorei o seu texto, simples e original. Interessante essa sua característica, juro que nunca ouvi falar de alguém assim. Que anota, risca ou sublinha coisas enquanto lê.
Beijo, e parabéns pelo blog tá muito legal mesmo.
Belo texto.
Também tenho mania de frequentar sebos e de sublinhar os livros que leio, depois, quando releio fico pensando no que tinha me chamado a atenção anteriormente...
beijos
Muito bom o seu texto, vc nunca pensou em ser escritor???
Parabéns !!!
Visita >>> http://allison-ramon.blogspot.com/
Seu texto me lembra muito de mim mesma, tanto quando fala das partes sublinhadas de um livro quanto das dedicatórias na estante.
Tenho um livro( que não é o melhor dos que tenho, mas é o que li mais vezes)que eatá TODO rabiscado. Cada uma daquelas frases, agora coloridas de Amarelo Piloto, trazem a mim uma emoção diferente no decorrer dos anos.
Parabéns pelo blog e pelo texto! Volto para ver os demais quando tiver um tempo maior.
Abraço.
Belo text meu amigo.
Gosto muito da força que você o tece.
Parabéns!
eu tambem gosto de ficar imaginando o que determinado livro representou para seu doo, a ocasiao que lhe foi dada a obra e as emocoes sentidas durante a leitura. Eu acho muito legal aqueles livros com as paginas ja amareladas devido a acao do tempo. Gostei do tema...Max
Meu amigo o antigos de estirpe, oa educação charme estão partindo gostei do seu artigo. Bjs Isaura
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