Entre os anos 70 e inicio dos 90 vagava pelas ruas do Rio de Janeiro um andarilho, longa barba branca, estranho e místico, nas mãos cartazes com frases bem desenhadas. Profético como muitos que habitam as avenidas das grandes cidades brasileiras. No entanto, este tinha uma peculiaridade que foi chamando a atenção da população. Por onde passava pregava palavras de amor, consolo e com conteúdo ecológico7. A partir de 1980 escreveu, em quase dois quilômetros de pilastras do viaduto do Caju, mensagens incentivando a prática da gentileza entre as pessoas. Ficou conhecido como profeta Gentileza e sua figura se transformou em ícone de uma fase do cotidiano carioca, servindo de inspiração a uma música de Marisa Monte. Um dia os agentes da burocracia estatal, preocupados com a limpeza urbana, passaram tinta cinza por cima da produção do poeta, deixando apenas “solidão e tinta fresca”. Em 2000 a obra urbana foi restaurada.
“Gentileza gera gentileza”, dizia fomentando a prática do cuidado mútuo das relações, preservando acima das diferenças e dos pontos de vista os afetos em latência ou construídos. Gentileza é uma prática quase esquecida hoje em dia. A vida moderna e, principalmente a urbana, requer agilidade, velocidade, praticidade. A concorrência enorme não deixa espaço para ser gentil, e o tempo é aplicado em aliciamento de apoiadores ou conchavos bem articulados. Confunde-se gentileza com afetação, principalmente quando utilizamos também a expressão delicadeza, prima direta da gentileza. Ser delicado é visto erroneamente como ser excessivo em mesuras, ser frágil, não estar preparado para grandes confrontos ou para suportar privações.
O tempo da delicadeza, cantado por outros poetas, fica quase no esquecimento neste tempo de ocupação de espaço e de busca frenética da notoriedade. Para se chegar a estes objetivos vale tudo: mascarar, camuflar, manipular. Não acho que buscar a satisfação dos interesses seja errado, só me assombra como que, em nome disto, se descartam ações de construção conjunta, muito mais valiosas e com espectro de amplitude bem maior. O homem é um ser egoísta, o ambiente social estimula este egoísmo e- conforme o meio em que vive- isto adquire proporções imensas. Estranhamente em grande parte dos grupos sociais cuja missão esta ligada a práticas de melhora de vida para os outros, o egoísmo e a notoriedade pessoal imperam.
Hoje também quase não há espaço para a vivência da delicadeza. Ela acontece, não raro, em momentos individuais quando ouvimos uma melodia que nos toca a alma, quando assistimos um filme que nos leva longe, quando somos arrebatados por uma leitura inquietante, em contato com a natureza ou – mais comum- quando rememoramos coisas do passado. Já ser gentil se limitou a raros “bom dia” a quem encontramos no trajeto da manhã, muitas vezes mais por hábito do que por desejo sincero.
As reações humanas se tornariam mais lubrificadas com o uso destes dois produtos. Se gentileza produz gentileza, também cria ambiente favorável, espaço para diálogo, clima de tranqüilidade e- acima de tudo- certeza de que outros valores fundamentais estão preservados. Já a delicadeza possibilita uma ampliação da percepção, fazendo com que elementos que pareciam escondidos se mostrem numa realidade às vezes tão crua. Um gesto, um olhar, um sorriso pode ser canal de gentileza e mudar todo um contexto. Ambas são pistas para os diversos tipos de amor que, segundo o mesmo poeta é “palavra que liberta”.
12 comentários:
Olá...
Satisfação em estar por aqui...
Ação e reação...
Gentileza gera gentileza... Nos dias de hoje e ontem, talvez amanhã, artigo em extinção... Verbalizar isso hoje, é como um sonho eterno... Por isso e por outras continuo a sonhar sempre...
Parabéns! Por relembrar de tamanha gentileza...
Abraços
Everaldo Ygor
http://outrasandancas.blogspot.com/
Cara.. belo blog.. post legal.. \o
vou voltar aqui (Y)
As palavras dele são simples, mas é tão difícil praticar.
já vi algumas reportagenssobre ele e achei legal postar este tema
Abraço
que bom que voce lembrou dele
nao e da minha epoca
mas ja faz um certo tempo que tento saber sobre gentileza
obrigada
http://palhacadasaparte.blogspot.com/
Cada vez que me negam um "Bom dia!" sinto que algo morre dentro de mim. Reforça a sensação de estranhamento que carrego perante o mundo, desde que me conheço por gente. Várias vezes ocorreu e ocorre de entrar num ambiente cheio de gente - como no vestiário da academia ou em algum curso - cumprimentar em bom som e não ter nenhuma resposta alguma, às vezes até olhares de espanto em resposta. Entro numa loja, compro algo, sou eu - cliente - quem fala o "obrigado", sem ouvir o "De nada!" como resposta...
Eu me sinto muito mal, mesmo...
Citei apenas dois exemplos corriqueiros no meu cotidiano. Há outros, mas graves, de profundo desrespeito mesmo, onde, se eu reclamar, me chamariam de "viado" ou "fresco"... que sabe tomaria uma surra...
Abração!
Ricardo(aguieiras2002@yahoo.com.br)
p.s. às vezes não consigo publicar meu comentário aqui, fica voltando... poderia verificar, por favor?
sou fã do gentileza...
e agora do seu blog tb.
mais um LINDO post teu...
cada vez mais tenho claro que a "saída" para as loucuras deste mundo é exatamente gentileza, delicadeza, solidariedade, sensibilidade.
obrigada por ter me proporcionado esta leitura!grande beijo.
Realmente, a gentileza está se perdendo cada vez mais. Um mero "bom dia" para quem não tem intimidade consoco gera olhares curiosos.
A gentileza dos cumprimentos se isola cada vez mais nos círculos familiares e de amizades.
A gentileza das boas ações se esvai no dia-a-dia, em que ficamos superexpostos àqueles que abusam da nossa solidariedade, pedindo dinheiro nas esquinas e calçadas, nos impondo suas necessidades e tentando nos forçar a um sentimento de "culpa social", até o ponto de não querermos mais ajudar ninguém.
É até engraçado ouvir a voz desincorporada do metrô nos lembrando a cada momento que devemos ser solidários e ceder lugares aos idosos, grávidas e portadores de necessidades especiais. Mais um processo massificador que tenta (em vão, creio eu) nos impor uma prática que deveria ser parte comum da nossa cultura.
Acho que só pela prática, e não pelos discursos politicamente corretos, manteremos viva a solidariedade que tanto nos faz falta. O poeta estava certo: gentileza gera gentileza.
gostei MUITO do comentário do Eduardo Peret, tanto que copio aqui um parágrafo que reproduz exatamente meu sentimento...
Parabéns!
"A gentileza das boas ações se esvai no dia-a-dia, em que ficamos superexpostos àqueles que abusam da nossa solidariedade, pedindo dinheiro nas esquinas e calçadas, nos impondo suas necessidades e tentando nos forçar a um sentimento de "culpa social", até o ponto de não querermos mais ajudar ninguém."
Não sei se por destino, ou não...mas encontrei seu blog na comunidade GENTILEZA...e por sua Gentileza, acabei ancorando aqui...
ADOREI o que ví e lí. PARABÉNS!
Abraços com muitas energias de Gentilezas à você Liandro.
Stellinha :)
gentileza...palavra simples, mas de tao rara pratica em nosso dia a dia. Um simples `bom dia` - mas de coracao - ou um mero sorriso podem fazem a diferenca no dia de muita gente. Bem lembrado!!
Então, você está sabendo muito bem encontrar as palavras com quem diz nossa realidade, nossa vida e principalemente fatores que estão faltando no dia de hoje, que simplesmente e o diálogo,vivemos num corre, corre, disgraçado que vivemos tudo sem percebemos absolutamnte nada, e depois quando tudo acontece, ficamos nós perguntado o por quê??
beijos e continue assim...
Adeangelo chaves
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