Blueberry é uma fruta pequena, menor que uma uva e tem a cor da jabuticaba. A versão brasileira chama mirtilo e tem as mesmas características de sabor e um pigmento que age de maneira benéfica no organismo estando ligado à saúde dos olhos. A história vem desde a Segunda Guerra Mundial, quando os pilotos britânicos comiam a fruta antes dos vôos noturnos. Eles acreditavam que assim enxergavam melhor os alvos inimigos. No filme “My Blueberry Nights” (Um Beijo Roubado) o diretor Wong Kar-wai cria o que chamo de “teoria Bluberry” e para isto obriga a personagem Elizabeth (Norah Jones) a comer vários pedaços de uma torta de blueberry, que aliás a atriz detesta. Jeremy (Jude Law) é dono de um café, chamado Klyuch (significa “chave” em russo), e explica a ela, no início do filme, que no fim da noite algumas tortas estão esgotadas, outras estão quase no fim, mas a de blueberry continua quase sempre intacta. Não que as pessoas tenham algo contra a torta, mas são opções que se fazem. Numa outra cena do filme ela pergunta por que ele continua oferecendo os doces de blueberry já que a procura quase não existe. Ele responde que para lembrar da alternativa e porque sempre pode aparecer alguém interessado nesta torta.
É mais comum encontrar nas docerias tortas de outras frutas mais populares. Não se encontra mirtilos com facilidade, nem se oferece uma fruta pouco conhecida ao grande público já com a opinião formada e sem grande disposição para arriscar-se com outros gostos. Como a fruta tem propriedades que afetam a visão é fácil de pensar que a maioria não quer mudar o seu olhar sobre as coisas, mas pretende continuar a ver a realidade do mesmo jeito. No filme esta metáfora fica clara, pois somente depois de se dispor a algo diferente, com todos os riscos que isto inclui que a realidade se modifica. Os protagonistas vivem desesperanças, durezas da realidade e caminhos de transformação, ambos encaram o desamor e a partir desta pequena morte que novas possibilidades ressurgem. Esta fórmula de historia não é nova, mas usar uma frutinha para ser ponto de apoio é bem original.
Além da possibilidade do diferente a “teoria blueberry” também traz a realidade da opção. Por um lado ela é positiva por estar ligada à liberdade de se criar possibilidades em cada escolha, por outro ela é terrível pois conforme seu movimento podemos ser descartados a qualquer momento. Acho curioso que os paladinos da liberdade de opção que a defendam tanto quando querem fazer suas escolhas, sejam os mesmos que reclamem tanto do excesso de estímulos e possibilidades que as mesmas despertam. As decisões diante das opções deveriam ser calcadas no acúmulo de cada um, nas experiências vividas, na capacidade de reflexão e, principalmente, na análise das conseqüências que a alternativa escolhida vai causar. No entanto, a ilusão do físico e da matéria e a armadilha da boa lábia ainda surgem como principais elementos que dão alicerce às escolhas, além do egoísmo presente cada vez mais no nosso meio.
Parece que cada vez mais o argumento do poder de escolha é usado como forma de se dar bem a qualquer preço, não ligando para a conseqüência que isto vai causar aos outros. A liberdade, na sua expressão de escolha, esta cercada de uma ética de menor prejuízo pelas nossas decisões. Ninguém deve ser obrigado a fazer o que não quer, mas ninguém deveria sofrer pelas decisões dos outros. Decidir é uma das ações mais complicadas do ser humano, ser alvo das decisões alheias é muito pior, pois nos tira o protagonismo dos acontecimentos e nos fragiliza. Mesmo que poucos escolham a torta de Blueberry, ela vai continuar existindo nas prateleiras da vida, esperando a oportunidade de mostrar seu sabor diferente. Mesmo que nossas opções não alcancem atitude de trocar os gostos populares e conhecidos por um diferente, a alternativa estará ao nosso alcance talvez o tempo de um filme, talvez no espaço de uma vida.
17 comentários:
E a blck berry é que fruta??? Achava que era essa =P
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TemPraQuemQuer
parabens pelo blog!!
passa no meu qnd der..
bem legal o texto..
interessante..!!
que bizarro... eu baixei esse filme ante-ontem por indicação do meu pai e, de fato, há uma metáfora interessantíssima, destrinchada aqui pelo seu texto. Très bien!
é interessante a mente humana... pasmo quando vejo essas coisas. Como as pessoas podem filosofar tanto, e achar tamanha profundidade numa simples frutinha ignorada.
No mais, vou dividir aqui minha ignorância. Pra mim Blueberry sempre foi nome de perfume. E eu prefiro docinhos de chocolate, com o perdão da obviedade.
Abraços
Excelente...
texto brilhante...
tô louca prá ver esse filme, mas por essas bandas ainda não deu as caras!
também me lembrou um pouco aquilo que dizia Deleuze,algo como:não importa quantas sejam as entradas, mas as saídas sempre serão múltiplas...
vou ver esse filme...
boa historias sãosempre bem vindas...
e a vida é feita d opções né... td é uma questão d escolha!
gostei do blog, parabéns !
Bom dia!
Que texto interessante o seu. Eu li a crítica do filme e fiquei curiosa p assistir, mas como disse a Claudia: ainda não apareceu por essas bandas...
Confesso que não vou esquecer o nome da frutinha.
GOSTEI!!!
Abraços
:)
OI,
nunca comi essa fruta...
Não tenho nada a falar sobre ela...
vlw...
Análise mais profunda do que a intenção do roteirista, acho. O texto da película, tem suas raízes no teatro; ganhou a expressão do diretor chinês, mas não o espírito do cinema. Um bom filme, pra ser assistido no palco!
Sobre a análise, só discordo da sua opinião, que desabilita nosso protagonismo diante do poder de decisão. Esse é um dos essenciais momentos em que nos vestimos de humanidade e exercemos nossa diferença na fauna.
No açúcar ou no adoçante, no mirtilo, na framboesa ou na amora, somos protagonistas das nossas vidas, em pequenas decisões. São elas, as pequenas escolhas ,que fazem a diferença. As grandes nos tornam heróis. Mas... quem quer ser herói, afinal?
bjs procê, Li.
Ah, a difícil questão das escolhas que fazemos. Nem sempre fáceis, nem sempre as que agradam ao outro. Muitas vezes tomadas depois de tanto sofrimento, e mesmo assim desprezadas por quem não viveu o processo.
Wong Kar-wai não é um diretor de facilidades... que o diga '2046'... mas seu texto confirmou minha decisão de ver o filme!!!
Eu vi o filme e adorei!!! Adorei tb seu texto ... realmente muito bacana.
Deu vontade de ver o filme mais uma vez!!!
Parabéns,
agora já vi o filme,que é absolutamente lindo!me deu vontade de ler o teu texto novamente(acabei de fazê-lo)e acho que vou assistir ao filme mais uma vez, até pq além da belíssima estória e fotografia, tem a ótima trilha sonora e o Jude Law, que sempre é bom de olhar...hehehe!
beijão.
Cheguei aqui através de uma amiga justamente para ler este post, dei uma lida básica em mais alguns pra me "familiarizar".
Blueberry é um filme instigante, tanto quanto cheio de obviedades, instigante pelas descobertas que podemos ter apartir da vivência de cada personagem, assim como um apelo muito grande a dor e a ilusão ( o "doer-se" por assim dizer). A obviedade mais supra para mim é a de ao contar-se tanto com qual, ou tão dependente do mesmo, ao romper-se estamos sem chão. E o que sobra de opções para quem não tem chão? Outra antiga metáfora: cair. Isso resgata uma beleza que talvez somente o próprio óbvio possa realmente nos dar: que optar não é um processo demarcado racionalmentem e sim enormemente intuitivo e em sua parcela de impulsividade. Reoptar é um novo "jogar-se" em mais uma queda, mas uma queda mais ou menos escolhida mesmo que suas caracteríticas ou consequências não sejam muito previsíveis.
É como não saber o que há no fim do poço, mas lá mesmo achar uma porta ou algo que o valha, e transpor a si mesmo quando ingenuamente pensamos superar os sentimentos que nos fizeram parar lá.
Díficil talvez não seja encontrar a própria blueberry, e justamente o contrário, encontrar as demais substâncias próprias que nos transformam em algo a mais do que um simples objeto.
Adorei o seu texto. Então fiz criei um link e escrevi mais alguma coisa. que aliás nem precisava.
Obrigada!
Anny.
Lindner,
Excelente post! Fiquei curiosa para assistir ao filme....
É tão difícil escolher o caminho não trilhado, principalmente quando se tem certeza absoluta dos resultados que a gente obtém pisando em terras conhecidas...
Por outro lado, é maravilhoso olhar o horizonte e ter a certeza de que há sempre uma alternativa, esperando pela gente!
Parabéns pelo texto!
um abraço,
Cássia
Em tempo: retirada a metáfora, adoro provar coisas diferentes, desde que não venham a afetar radicalmente a minha vida no dia seguinte, mas nisto não há risco algum... risos..
Particularmente, adoro receitas com blueberries (e isso inclui desde iogurtes e tortas, até bagels)
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