O flerte com a morte esta presente na vida de todos nós e se revela em ocasiões e com intenções diversas, a maioria delas com caráter muito íntimo, o suficiente para não ser admitido para mais ninguém. Flertam com a morte os fumantes compulsivos, os alcoólatras reincidentes, os amantes da velocidade, da altura, os consumidores de exóticas substâncias, os de comportamento fora do padrão estabelecido, os diletantes de toda a ordem. A morte acompanha, em forma de roleta russa, os que saem em busca de momentos de prazeres indescritíveis e o fato deste prazer ter em sua composição um elemento forte de risco amplia seu sabor tornando-o um deleite. Algum elemento deve ser ativado em nosso organismo quando sabemos o risco que estamos correndo e este deve ampliar nossas capacidades de percepção dos sentidos e de chegada ao êxtase. O tempero da morte consegue deixar o prato mais saboroso, mesmo que ele seja o último a ser servido.
O comedimento nos hábitos é um valor que a sociedade cultua e preserva. Tentar buscar um equilíbrio sempre foi um desafio enorme, mesmo que em nome deste nivelamento se acabe optando por um meio prazer. É como beber um cálice quando se queria provar toda a garrafa ou voltar para a casa mais cedo quando o que se quer é esperar o sol nascer na rua. O excesso sempre foi mal visto e apontado como causa de males, desavenças e disputas. E justamente o excesso do que mais amamos é o que causa o nosso fim. No âmbito da culinária fica mais claro, pois a modernidade trouxe uma série de patologias advindas do consumo excessivo de coisas saborosas. Nos fumos e nas bebidas o prazer gerado acumula rótulos condenatórios num mundo onde estes tipos de desfrutes têm seu espaço de manifestação cada vez mais reduzido. Afinal um prazer quase divino ainda na terra não vale um risco? É melhor ter primícias nunca sentidas, e depois o fim, ou passar uma vida em gostos pela metade, deleites aos pedaços e êxtases falsificados?
O excesso daquilo que amamos é o que nos mata. O amor em excesso se transforma em dois caminhos pérfidos: ou o controle absoluto sobre o ser amado ou a dependência total de nossas emoções. Quando não é possível mais se separar da pessoa que queremos, nem no mínimo para que ela tenha uma vida própria, e esta necessidade cresce a ponto de se transformar em ciúmes doentios, o excesso do amor revela a carência em forma de controle que acaba matando. Quando nossas emoções dependem da aprovação de outra pessoa a ponto de uma negativa representar um drama e uma rejeição se transformar num caos, quando nosso viver se resume em orbitar a aura e o ego de alguém, este excesso revela uma auto-estima que não teve investimento e acaba morrendo. Mas o amor nunca morre de morte natural.
A morte é muito mais ampla que o conceito da medicina. Ela acontece quando a capacidade individual de decidir o que é bom e o que é mal para nós sofre prejuízos a ponto de termos nossas decisões atreladas ao gosto de outros. Morre quem depende excessivamente de algo ou alguém para sua felicidade, morre quem não usufrui dos prazeres plenamente por excesso de medo
5 comentários:
Eu tenho medo da morte (ponto!).
Feliz foi Francisco que viu na morte uma irmã:"Louvado sejas, ó meu Senhor, por nossa irmã a Morte corporal,à qual nenhum homem vivente pode escapar".
Que eu aprenda a conter os meus excessos pra não correr o risco de no fim acabar sendo morto por conta deles.
Um forte abraço,caro amigo
O excesso ou a falta? Que dilema...
É clichê, mas é verdade que todo mundo morre um dia, mas nem todos realmente vivem, quando com vida!
Bjs!
Querido amigo, vc escreve muitíssimo bem, adorei o texto que nos leva sempre a refletir, confesso q este texto me deixou um pouco assustado mas me fez refletir, mexeu comigo, incomodou. Espero q vc esteja bem, obrigado por nos trazer sérias reflexoes e parabens pelo blog!
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