sábado, fevereiro 07, 2009

Fonte dos Cadeados


A Avenida 18 de Julho em Montevidéu é o grande centro de comércio da capital uruguaia, concentrando as principais livrarias, lojas de roupas e discos, além de várias feiras de artesanato que se estende às ruas adjacentes. Rodeada de interessantes prédios com arquitetura que chama a atenção e modernos edifícios, ao final da Avenida encontra-se a Plaza Artigas, onde repousa o militar que comandou a libertação do país do domínio estrangeiro, copiando a Inglaterra tem até cerimônia da troca da guarda, com direito a banda inclusive. Numa de suas esquinas, perto de um antigo e charmoso café, foi instalada uma fonte que passou a ganhar significado especial aos que passam por ali. Tornou-se referência para os casais que querem manifestar sua paixão, sua ligação, seu encadeamento um no outro, eles deixam nas grades desta fonte cadeados fechados com as iniciais dos amantes e o desejo de que a ligação perdure para sempre. São encontrados ali cadeados já corroídos pelo sol e pala chuva, outros mais recentes ainda brilhando. De tamanhos e cores variados que aos poucos vão enchendo o contorno da grade e chamando a atenção de quem passa por ali.

Indagando dos funcionários do café descobri que a tradição não é antiga. Tem menos de seis meses e iniciou quando um casal apaixonado quis registrar seu desejo de ficarem juntos através desta maneira inusitada. A idéia foi se espalhando e o número de cadeados crescendo até transformar a esquina numa referência. Inclusive se colocou uma placa de bronze explicando o significado daquele gesto e as lojas de ferragens da região devem estar satisfeitas vendo o aumento na venda dos diversos modelos de cadeados. Uma parte da história que ninguém soube responder é com quem ficam as chaves. Será que um dos namorados ou cada um fica com uma ou ainda será que são jogadas dentro da fonte para enferrujarem junto com o efeito da água e do tempo enquanto os cadeados permanecem unidos.

O velho sonho do amor romântico de que a coisas sejam para sempre, sem mudanças repentinas ou humores instáveis, desta vez registrada desta forma diferente. É como ver por ai nomes de namorados em árvores, em paredes, fitas amarradas com nó duplo ou até, os mais ousados, que se dispõe a gravar no próprio corpo, através de tatuagens, o nome do amado ou algo que o lembre. É tão boa esta sensação de que as coisas podem ser eternas, tão bom este sentimento de paixão que nos arrebata e faz viver com intensidade grande o momento. Infelizmente o tempo não pára e a vida não é Disneylândia. A realidade bate a porta e surgem conflitos, cobranças e a paixão arrebatadora pode ir desbotando.


Quando isto acontece às lembranças ficam como referências de bons momentos, e o que somos se não lembranças, como disse Guimarães Rosa: “o que lembro, tenho”. Por mais que a vida ande e desgaste as grandes paixões estará para sempre na memória dos amantes os momentos curtidos na urgência juvenil de estar com o ser amado. As horas ao telefone, os planos em conjunto, as trocas, os conhecimentos mútuos, as brigas perdoadas entre beijos. Já os grandes amores, estes viverão para sempre, muito além do tempo e da distância estarão presentes em cada gesto que se faça após o seu desenlace, como parte da alma dos que amaram. A personalidade absorve muito do comportamento vivido no esforço e na construção de amar e suas marcas ficam registradas para sempre. Mas amar e ser amado se tornou algo cada vez mais raro e feliz é quem consegue, ou conseguiu viver esta experiência.

Além de cadeados enferrujados no centro de uma grande avenida, o sentimento que os envolveu naquele ato registra também a coragem de tornar pública esta paixão. Num momento inebriado deste alucinógeno, duas pessoas deixaram ali um símbolo de sua união. Quanto tempo deverá ter durado? Não importa. O que faz a diferença é que alguém se apaixonou e acrescentou este símbolo de felicidade junto a outros ampliando a corrente e exibindo esta alternativa. Ali no centro de Montevidéu, numa esquina movimentada, em frente a uma fonte cheia de cadeados eu descobri que toda a paixão ajuda o mundo a ser melhor, ajuda a semear a semente da possibilidade e que sua energia pode mudar as coisas. Mas também refleti que a fugacidade da paixão deve evoluir para um amor estável e maduro com dedicação compreensiva. Para se chegar a este estágio se enfrenta a contrariedade do mundo que prefere novidades a cada momento, mas a maior dificuldade são as nossas próprias limitações.


Dentro de nós reside o pior dos inimigos para um amor perene: as manias, a falta de vontade de mudar, a dificuldade de compreender o ponto de vista alheio, de ceder em nome de um bem maior. Estes vão corroendo as possibilidades muito mais do que o ar e a água enferrujam cadeados expostos. Saber transformar as loucuras em planos de vida exige, mas compensa, pois fácil é colocar um cadeado nesta fonte, difícil é saber o que fazer com a chave dele.

5 comentários:

OM NAMAH SHIVAYA disse...

Sempre lembro vc falando que tudo na vida estava relacionado ao sexo, e hoje tenho que concordar. Muito bom o texto.

Rodrigo Schüler de Souza disse...

Ouvi falar que em Roma, próximo a Fontana dei Trevi, os jovens apaixonados deixam seu cadeado com declarações de amor, mas jogam a chave na fonte. Os cadeados são colocados no portão de uma igreja cujos santos padroeiros são Vincenzo e Anastasio. Deve haver um motivo... e este motivo se espalha. Gostei do texto - suspeito de uma leve tentação de segurarmos o amor, cadeá-lo... sinistro.

Dennys Silva-Reis disse...

O TARCAR E O ABRIR GERALEMNTE ESTÂO LIGADOS AO CORAÇÂO....CHAVE E CADEADO TAMBÉM.... É ATÉ BÍBLICO POR ASSIM DIZER.... INTERESSANTE TEXTO E CULTURA VIVIDA....

Anônimo disse...

gostei do texto tb.
mas se fosse eu, não importaria como fazer com a chuave, só importaria com quem eu colocar o cadeado.

tuih disse...

coloquei um cadeado lá!
não estamos mais juntos, mas faz parte da minha história agora.